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CD1 - COMÉDIA HUMANA
1. BRINCAR NO FOGO
Jogar um jogo
eternamente,
Lançando fogo
a toda a gente.
No alto risco
a tentação,
O imprevisto
provocação.
O fogo posto
rastilho aceso,
Escondes-me o rosto
não sei se quero.
Ser e não ser
e até fingir,
Quero tremer
deixa-me ir.
Brincar, brincar e o fogo a queimar
Brincar, brincar e o fogo a queimar
Brincar no fogo.
Venho sem medo
como um intruso,
Um vento seco
um sopro surdo.
Toca no fogo
leva-me a sério,
Sou o actor
deste mistério.
A história é curta
rocambolesca,
A chama em luta
é chama acesa.
Quero mentir
quero enganar,
Não sei fugir
vais-me apanhar.
Brincar, brincar e o fogo a queimar
Brincar, brincar e o fogo a queimar
Brincar no fogo.
E se a farsa
não tiver fim,
Foi a brincar
que me perdi.
Brincar no fogo, brincar no fogo
Brincar, brincar e o fogo a queimar
Brincar no fogo.
2. DE SEGUNDA ATÉ SEXTA
Secretárias ou amantes
são desejos palpitantes,
Por aqui nada presta
de segunda até sexta.
Um horário a cumprir
vou de pé e a dormir,
Tusso o cheiro a meu lado
e o vizinho está calado.
De segunda até sexta, de segunda até sexta,
Hey hey.
O almoço é de pé
sanduíches e café,
À conversa o futebol
e a chuva esconde o Sol.
De regresso à função
já não bate o coração,
Só as mãos a mexer
um tumulto a crescer.
De segunda até sexta, de segunda até sexta,
Hey hey.
Um dia na vida, um dia qualquer
igual sem medida, a morder, a morder
Hey hey.
Na janela da tv
há uma guerra em directo,
É o choro de um bebé
na areia do deserto.
De segunda até sexta, de segunda até sexta,
Hey hey.
3. FARO: SUITE 220
Passei de novo o último verão
neste país de lés a lés,
Em cada noite a multidão
enchendo a dança a meus pés.
Andei por terras esquecidas
toquei nas festas populares,
Forasteiro em romarias
noites longas a conversar.
Ai, saltimbanco, o que é que resta de ti
Oh oh oh, pouco importa o que ficou por aí.
Eu fui ao fundo de um sonho
tantas vezes mergulhei,
A teimosia é um jogo
que o artista conhece tão bem.
Ah, se eu tivesse uma nota
por cada noite bebida,
A contar a minha história
seria rico p'ra toda a vida.
Ai, saltimbanco, o que é que resta de ti
Oh oh oh, pouco importa o que ficou por aí.
Acaba a noite neste quarto
e o silêncio é mais silêncio,
Há um prazer neste cansaço
que me adormece noite dentro.
Ai, saltimbanco, o que é que resta de ti
Oh oh oh, pouco importa o que ficou por aí, por aí.
4. O TANGO DOS RAFEIROS
À Fome de fama
cresce a manha,
No ar da noite
a lei da corte.
O sabor da fera
é a espera,
Busca na rua
noites sem Lua.
A fama é a fome
que o drama escolhe,
Homens perdidos
alguns amigos.
Não são de raça
servem de caça,
Correm à frente
oh, boa gente.
Um vira latas
finca de caras,
O osso da sorte
o ouro da noite.
O Sol já aquece
o pano desce,
Tudo se cala
a fome e a fala.
São rafeiros, mensageiros
pela noite, os primeiros,
Pela noite, forasteiros
como a noite, passageiros.
São rafeiros, mensageiros
pela noite, os primeiros,
São rafeiros, mensageiros
pela noite, pela noite, os primeiros.
5. COMÉDIA HUMANA (Parte 1)
Cimeiras e olheiras
tratados de redução,
Uma ilha com palmeiras
os conflitos em discussão.
Uma tenda no deserto
com o ar condicionado,
Uma feira de armamento
com camelos de artesanato.
O oeste é o melhor
como diz a canção,
Uncle Sam, o salvador
doce Gorbi estende a mão.
Não há pressa nas tragédias
só imagens na tv,
Da Etiópia à Roménia
o povo sem saber porquê.
Fanatismos no Irão
ou motins no Soweto,
A toyota do Japão
num rally do deserto.
O oeste é o melhor
como diz a canção,
Uncle Sam, o salvador
doce Gorbi estende a mão.
Índios em extinção, esquimós da solidão
violência na miséria em África e n'América,
Palestina em pé de guerra, Timor sempre à espera
tiranos e profetas, ayatollahs e atletas, à espera.
Meu Deus, que comédia é esta
os homens as armas e a guerra,
Os homens em armas, são a guerra.
O oeste é o melhor
como diz a canção,
Uncle Sam, o salvador
doce Gorbi estende a mão.
6. PODERIA SER ASSIM
Poderias aceitar olhar o espelho
e aceitar as ordens deste mosteiro,
Fecharias os olhos para aceitar
os olhos abertos no escuro a brilhar,
Olhares à volta e aceitares
olhares à volta e o escuro a brilhar.
Poderias ser o cofre de todo o amor
ser feliz sem sentir qualquer dor,
Estranha forma de agir em silêncio
o Sol a queimar, cerco do tempo,
Abrires os braços e eu aceitar
abrires os braços deixares-me ficar.
Poderia ser assim
Mas foi p'ra isso que cá vim?
Não sei, não sei.
O convite chegou sem atraso
a pequena ironia do meu caso,
Esta é uma história escorregadia
o cantor a deitar-se na melodia,
É noite aqui, neste quarto
um brilho no escuro, outro cigarro.
Poderia ser assim
Mas foi p'ra isso que cá vim?
Não sei, não sei.
7. DO ZERO
Já fui abaixo, voltei p'ra cima
um mau bocado que marca a vida,
O que mais dói são os enganos
os golpes baixos que não esperamos,
Sombras discretas a deslizar
são só amigos a rastejar.
Mas é do zero que eu vou partir
É de dentro que eu vou sair
É daqui que eu vou fugir, do zero.
Vidas sem história, lutas sem fim
um dia a mais passou aqui,
Fica o silêncio como um dilúvio
estamos a ver cinema mudo,
Plateia cheia, olhos pasmados
tudo a fingir, os cornos baixos.
Mas é do zero que eu vou partir
É de dentro que eu vou sair
É daqui que eu vou fugir, do zero.
Esta tragédia por ser pequena
não é notícia é morte lenta,
É esquecimento ou dor calada
puro cinismo sem navalhada,
O sangue quente vai esfriando
se tu deixares, seca por dentro.
Mas é do zero que eu vou partir
É de dentro que eu vou sair
É daqui que eu vou fugir, do zero.
8. GIN PURO
Gin puro
noite clara
um abuso
a boca amarga.
No écran
L.A. convida
olhos de galã
anos trinta.
Minha amiga, esta noite, Lua cheia
Despedida, criminosa, derradeira.
Gin puro
beber sempre
nem fim nem fundo
ir na corrente.
Por qualquer lado
sem daqui sair
naufrágio
Alcácer Quibir.
Minha amiga, esta noite, Lua cheia
Despedida, criminosa, derradeira.
9. MANEL DAS MÃOZINHAS
Ele chega bem cedo
a cara esmurrada,
Cambaleando
sem dizer nada.
Olha à volta
e fila o primeiro,
"Oh meu, espera aí
tou sem dinheiro."
"Oh meu, tu não fujas
eu sou o mãozinhas,
Arranja-me uns trocos
p'ras vitaminas."
Manel solitário
às oito na praça,
Sentado num banco
escutando a estátua.
Manel, o das mãozinhas
anda solto pela cidade,
A fazer algum pela vida
sombra negra sem idade.
P'ra frente e p'ra trás
a falar sozinho,
O povo passa
pelo maluquinho.
Vai mais um bagaço
e o Lino não chega,
"Anda aqui bicho
a moer-me a cabeça."
Manel não aguenta
e sai disparado,
Um carro que trava
"Ah, meu grande bandalho."
E se fosse ali
a morte a chegar,
"Ó morte da vida
deixa de me olhar."
Manel, o das mãozinhas
anda solto pela cidade,
A fazer algum pela vida
sombra negra sem idade.
E sempre às voltas
ao longo da praça,
Contando uma história
pedindo a quem passa.
À tarde na escola
os putos são certos,
Manel fica à esquina
a polícia está perto.
A noite tropeça
numa discussão,
"O caldo não chega
p'ra dois, meu irmão."
Na casa de banho
da velha taberna,
Manel aperta
a veia que sangra.
Manel, o das mãozinhas
anda solto pela cidade,
A fazer algum pela vida
sombra negra sem idade.
10. COMÉDIA HUMANA (Parte 2)
No centro dos conflitos
há petróleo e fronteiras,
Ódios velhos entre tribos
a mentira das bandeiras.
Norte, Sul, Leste, Oeste
onde a fome está presente,
Fugitivos como peste
que agita o Ocidente.
E a nós aqui tão perto
as colónias na memória,
Cruzadas que deram certo
nos velhos livros da história.
O oeste é o melhor
como diz a canção,
Uncle Sam, o salvador
doce Gorbi estende a mão.
11. BARES
Os sítios são ordinários
as horas doentias,
A noite é um preçário
de sorrisos anestesia.
O circo enche a cerca
os heróis prometidos,
Amores em cena
aplausos comovidos.
E as noites são brilhantes
como mantos de orvalho,
Mil histórias bebidas
na memória do espantalho.
Estilhaços de gente
de ouro e prata,
Risco cintilante
as noites são de gala.
A festa tem a hora
a hora quer mais tempo,
Aqui o tempo sobra
na fúria do desejo.
E as noites são brilhantes
como mantos de orvalho,
Mil histórias bebidas
na memória do espantalho.
CD2 - SANTA LOUCURA
1. UM TIRO NA SOLIDÃO
Um par dançava
no centro da sala,
Sozinho dançava
a última valsa.
O chuto na bola
passou ao lado,
O povo implora
conhece o culpado.
Tiriri laohh, tiriri laohh
O bom poeta
é um homem morto,
Tudo lhe presta
e dói-lhe pouco.
Esse atleta
que caiu de bruços,
Chegou à meta
ao fim de tudo.
Tiriri laohh, tiriri laohh - dá, dá um tiro
Tiriri laohh, tiriri laohh - dá, dá um tiro na solidão.
2. UM COPO CONTIGO
Brindar a tudo
beber por nada,
A maré cheia
e a boca amarga.
Quem bebe assim
merece a taça,
E se ele cair
levem-no a casa.
Vive um homem
nessa figura,
Dançando medos
no fim da rua.
A noite morre
na manhã clara,
É tão difícil
chegar a casa.
Eu não me escondo
não me esquivo,
Eu bebo sempre
um copo contigo.
Um copo, um copo contigo
Um copo, um copo contigo.
Eu não me escondo
não me esquivo,
Eu bebo sempre
um copo contigo,
Eu não me escondo.
3. SANTA LOUCURA
Cruzo uma auto estrada
perguntas sem resposta,
Feroz velocidade
que o cérebro transporta.
Às vezes tão à beira
de um colapso insano,
Frágil é a fronteira
pequenas contas do tempo.
Santa, santa loucura
Santa, santa loucura.
Orar à volta de mim
mal cheirar este mundo,
Se calhar já morri
tão decente e moribundo.
Desastres ao acaso
um silêncio banal,
Convite para o outro lado
paro, caio, dou o sinal.
Santa, santa loucura
Santa, santa loucura, Santa.
4. FOI NO PORTO
Meia tarde na Boavista
tu passavas sozinha,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
Um acaso não olhaste
sem fugir escapaste,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
Cabelo solto, magra figura
que é feito dessa miúda,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
E o tempo tão depressa
é a história que me resta,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
5. SARAJEVO (VERÃO 92)
Diz-me que este verão foi mentira
nada disto está a acontecer,
Sarajevo, um alvo nas miras
e os polícias do mundo estão a ver.
Jugoslávia bonita, filha da Europa
Fronteiras malditas que o ódio devora
Sarajevo, Sarajevo, ohh, oh.
É no centro do velho continente
que a matança das raças se consome,
Esse homem de pé deve morrer
no terreiro de caça só o medo se move.
Jugoslávia bonita, filha da Europa
Fronteiras malditas que o ódio devora
Sarajevo, Sarajevo, ohh, oh.
Sarajevo não tem fim
a vergonha está isenta,
Assim apodrece um país
no palco deste planeta.
Jugoslávia bonita, filha da Europa
Fronteiras malditas que o ódio devora
Sarajevo, Sarajevo, ohh, oh.
O pior dos animais anda à solta
a vingança nos olhos ancestrais,
Solução final que se retoma
Hitler à mesa dos chacais.
Jugoslávia bonita, filha da Europa
Fronteiras malditas que o ódio devora
Sarajevo, Sarajevo, ohh, oh.
6. MENINA ESTÁS À JANELA
Menina estás à janela
com o teu cabelo à Lua,
Não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua.
Sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda dela,
Com o teu cabelo à Lua
menina estás à janela.
Estás à janela
com o teu cabelo à Lua,
Não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua.
Uma prenda tua
sem levar uma prenda dela,
Com o teu cabelo à Lua
menina estás à janela.
Cabelo à Lua menina, estás à janela.
7. ESTA DANÇA NÃO ME INTERESSA
Se o mar está poluído
e os peixes a morrer,
Se aquilo que produzimos
não dá para comer.
Já não me interessa, já não me interessa.
Se as fábricas de armas
são o orgulho nacional,
Se a venda de balas
dá trabalho a Portugal.
Já não me interessa, já não me interessa
Já, já não me interessa.
Se o país é pequenino
e assim quer viver,
Se este fraco destino
é esperar até morrer.
Já não me interessa, já não me interessa.
Se há crianças sem sorte
neste lar português,
Se tu danças com a morte
sem saberes o que vês.
Já não me interessa, já não me interessa
dança, esta dança, não me interessa,
Já não me interessa - não me interessa
Já não me interessa - não me interessa
Já não me interessa - não, não, não me interessa.
8. TÃO QUENTE
Só num quarto de hotel
despojado, disciplino o pensamento,
Sigo o voo das ideias
estou perto, em mim a tempestade.
É quente o tempo presente
a luz do Sol tão quente,
É quente o tempo presente
a luz do Sol tão quente, tão quente.
Cerro os olhos de ver
oiço o tribunal, feroz, dentro de mim,
Tudo nas horas da vida
lembra a tua passagem por aqui.
É quente o tempo presente
a luz do Sol tão quente,
É quente o tempo presente
a luz do Sol tão quente, tão quente.
9. LISBOA HOTEL
A meio da noite, de um dia qualquer
Lisboa cansada quer adormecer,
Nas velhas ruas no centro da baixa
há vultos esquivos, inventando uma casa.
Hua hua hua hey
Enrolados em trapos, suites de cartão
totalistas do acaso, hóspedes da ilusão,
São velhos e novos às vezes em tribos
Partilhando entre si, a vingança do destino.
Hua hua hua hey
O hotel está aberto, com as portas fechadas
noite da indiferença ninguém sabe quando acabas,
Há um refrão na história, na canção conhecida
a face da miséria é o negro lado da vida.
Hua hua hua hey
10. O QUE RESTA DE MIM
Às vezes o que resta de mim
é um par de calças suadas,
Caras de camarim
o som da sala e mais nada.
Às vezes o que resta de mim
é um par de horas usadas,
Um abuso que vivi
e se doer, não digo nada.
Salta p'ra 'qui
sê o meu retrato,
Leva-me p'raí
faz, faz o teu espectáculo.
Às vezes só encontro aqui
o refúgio do sonho,
Um oceano fremente de luz
dança feliz um louco.
Quase sempre já no fim
partir em segredo,
Tudo aquilo que eu quis
por tudo aquilo que tenho.
Salta p'ra 'qui
sê o meu retrato,
Leva-me p'raí
faz, faz o teu espectáculo.
Não me interessa o rumo
só o calor da festa,
Até ao fim de tudo
velhos bandidos, novos profetas.
Salta p'ra 'qui
sê o meu retrato,
Leva-me p'raí
faz, faz o teu espectáculo.
11. AQUI PLANETA TERRA
Gritamos por Jesus
e olhamos a guerra,
são os dias da tv
aqui planeta Terra.
Oooh, oh, oh, oh
A agonia do mundo
o fim da humanidade,
O vazio na barriga
credos crueldade.
Oooh, oh, oh, oh
Quase tudo se passa
do outro lado de tudo,
No outro lado da rua
uma cortina de fumo.
Oooh, oh, oh, oh
Entre o hino e a bandeira
estão em jogo os generais,
É brilhante a estupidez
nas paradas nacionais.
Oooh, oh, oh, oh
12. SUAVE DANÇA DO VENTO
Há o Sol a queimar do lado mexicano, os índios
à espera a cavalo, na espera, esvaindo-se o tempo
severo, servente no ecrã da fronteira.
Mantos da noite que chegam pelo deserto,
sincera a confissão e o deserto espera, acelera,
a dança magnífica que prepara o encontro.
Há na cena um intruso e ele veste a pele do mal,
um visitante que se insinua, hipnótico,
desperta a dança, inicia a convocação.
O silêncio é o meio silencioso e alheio, rodopia
pressente-se o desenlace demente, o tumulto.
A morte que voa em círculos, viaja nas vísceras do
rapinador. É esta a dança do vento, suave de presságios,
suave movimento, precário farrapo da morte.
Lendas no esquecimento, margem proverbial
areias-sepulcro de rochedos-império.
Mundos de marés e murmúrios aplaudem
circulando - o fim é o princípio circulando - Akashic.
Um plasma universal onde voga o conhecimento,
aguarda o instinto, por mais miserável que seja a existência
deste homem, sufocante, de olhos, ossos e gozo,
esfacela em agonia, luta, de si para si, agoniza.
Oh, doce insónia da interrogação que me fazes erguer
sem motivo aparente. Que me acordas de um sono
trespassado e me permites ver o nascimento do fogo eterno.
Oh, ensejo e ambição de conquista e glória que me chamaste
aqui, abre-me o portal do tempo e da memória, quero percorrer
a primeira floresta onde nasci. Perder-me de mim.
Um farrapo frágil de nuvem vai, suave na dança do vento.
Oh, insónia do meu atrevimento, ficarei nos teus braços
ancorado. Toca-me.
13. ÍNDIO (EU E TU AQUI)
A espera calada no homem
à volta colinas desertas,
O crepúsculo chama o fim
este prazer às avessas.
Índio, que é feito de ti?
Índio, eu e tu aqui.
Anda o medo pelas sombras
falas surdas do vento,
O suor escolhe as gotas
na passagem do tempo.
Índio, que é feito de ti?
Índio, eu e tu aqui.
Há uma história de mim
e outras por mim contadas,
A memória que sorri
de outras vidas passadas.
Índio, que é feito de ti?
Índio, eu e tu aqui,
Só eu e tu aqui - Índio
Que fazes tu aí - Índio
Que é feito de ti - Índio
Só eu e tu aqui - Índio
Eu e tu aqui.
14. NÃO ME DEIXES FICAR AQUI
Ao longo da praia
a praia mais longa,
A Lua molhada
partindo nas ondas.
À frente as docas
o porto parado,
Barcos quedos
brando mar cansado.
Ao longo da vida
por esta passagem,
Figuras conhecidas
de outras paisagens.
Figuras com nós
na praia deserta,
Criando inimigos
e estranhas tarefas.
Não me deixes ficar aqui
Não me deixes ficar aqui.
15. ESPERAR AQUI POR TI
Há uma linha que arde
no horizonte escurecido,
É o traço da noite
o dia já sumido.
O regresso é um desejo
se for o que parece,
O caminho conhecido
fogo brando que aquece.
Em murmúrios ando eu
pelas horas errando,
Linguagem de silêncios
homem só vagueando.
No desfile da vida
neste palco iluminado,
Muito pouco à vista
e o resto só procurado.
Esperar aqui por ti, esperar aqui por ti
Esperar aqui por ti, esperar.
16. SARAJEVO (VERÃO 92-II)
(Same track 5)
17. ESTES MOMENTOS
Não chores por mim
quase nada vale a pena,
Não chores assim de ti
lembra-te apenas.
E se olhares em redor
e eu estiver ausente,
Leva a sério o teu pudor
apaga o fogo quente.
Deste lado um sorriso
que me olha taciturno,
Outra noite sozinho
no abrigo do mundo.
Mais poeta por falar
que poeta de escrever,
Há um ser e um estar
e a vida que vier.
Mais um grito para quê
o silêncio está aos berros,
Ninguém pára, ninguém vê
estes momentos.
18. DUELO AO ESPELHO
Partido ao meio, partido em dois
o frio de janeiro no suor de agosto,
Vida secreta é disfarçar
o Sol aperta, quase a queimar.
Olho p'ra mim, olhei o medo
Olho p'ra mim, duelo ao espelho.
Há um intruso na minha pele
sou eu que uso a alma dele,
Fez-se amigo, é convidado
no meu abrigo, do outro lado.
Olho p'ra mim, olhei o medo
Olho p'ra mim, duelo ao espelho
Duelo ao espelho, duelo ao espelho.
19. SÓ UM CONVITE
Ando à espera que apareças
e transformes o meu sonho,
Estranha vida às avessas
solidão onde me encontro.
Há uma luz em cada noite
viajando pelos dias,
A fantasia e o mote
no desempenho da vida.
Eu só espero um convite
um convite de ti,
Eu só quero um convite
que me leve daqui.
Vem, vem ter comigo
forasteira, vem depressa,
Sinuoso o caminho
deixarei a porta aberta.
Eu só espero um convite
um convite de ti,
Eu só quero um convite
que me leve daqui.
20. NO BANCO DE TRÁS
Foi no banco de trás
do carro dos teus pais,
Que te descobri
noite à beira do cais.
Enquanto a Lua passava
sozinhos no mundo,
Promessas trocadas
do amor mais puro.
Foi no banco de trás, foi no banco de trás
Que a noite nos trouxe o amor melhor que há.
Doce cara bonita
de uma noite qualquer,
Ficarás sempre em mim
por mais que a vida me der.
Ver-nos-emos talvez
se o acaso mandar,
Se a sorte quiser
e a saudade deixar.
Foi no banco de trás, foi no banco de trás
Que a noite nos trouxe o amor melhor que há,
Foi no banco de trás, foi no banco de trás.
1. BRINCAR NO FOGO
Jogar um jogo
eternamente,
Lançando fogo
a toda a gente.
No alto risco
a tentação,
O imprevisto
provocação.
O fogo posto
rastilho aceso,
Escondes-me o rosto
não sei se quero.
Ser e não ser
e até fingir,
Quero tremer
deixa-me ir.
Brincar, brincar e o fogo a queimar
Brincar, brincar e o fogo a queimar
Brincar no fogo.
Venho sem medo
como um intruso,
Um vento seco
um sopro surdo.
Toca no fogo
leva-me a sério,
Sou o actor
deste mistério.
A história é curta
rocambolesca,
A chama em luta
é chama acesa.
Quero mentir
quero enganar,
Não sei fugir
vais-me apanhar.
Brincar, brincar e o fogo a queimar
Brincar, brincar e o fogo a queimar
Brincar no fogo.
E se a farsa
não tiver fim,
Foi a brincar
que me perdi.
Brincar no fogo, brincar no fogo
Brincar, brincar e o fogo a queimar
Brincar no fogo.
2. DE SEGUNDA ATÉ SEXTA
Secretárias ou amantes
são desejos palpitantes,
Por aqui nada presta
de segunda até sexta.
Um horário a cumprir
vou de pé e a dormir,
Tusso o cheiro a meu lado
e o vizinho está calado.
De segunda até sexta, de segunda até sexta,
Hey hey.
O almoço é de pé
sanduíches e café,
À conversa o futebol
e a chuva esconde o Sol.
De regresso à função
já não bate o coração,
Só as mãos a mexer
um tumulto a crescer.
De segunda até sexta, de segunda até sexta,
Hey hey.
Um dia na vida, um dia qualquer
igual sem medida, a morder, a morder
Hey hey.
Na janela da tv
há uma guerra em directo,
É o choro de um bebé
na areia do deserto.
De segunda até sexta, de segunda até sexta,
Hey hey.
3. FARO: SUITE 220
Passei de novo o último verão
neste país de lés a lés,
Em cada noite a multidão
enchendo a dança a meus pés.
Andei por terras esquecidas
toquei nas festas populares,
Forasteiro em romarias
noites longas a conversar.
Ai, saltimbanco, o que é que resta de ti
Oh oh oh, pouco importa o que ficou por aí.
Eu fui ao fundo de um sonho
tantas vezes mergulhei,
A teimosia é um jogo
que o artista conhece tão bem.
Ah, se eu tivesse uma nota
por cada noite bebida,
A contar a minha história
seria rico p'ra toda a vida.
Ai, saltimbanco, o que é que resta de ti
Oh oh oh, pouco importa o que ficou por aí.
Acaba a noite neste quarto
e o silêncio é mais silêncio,
Há um prazer neste cansaço
que me adormece noite dentro.
Ai, saltimbanco, o que é que resta de ti
Oh oh oh, pouco importa o que ficou por aí, por aí.
4. O TANGO DOS RAFEIROS
À Fome de fama
cresce a manha,
No ar da noite
a lei da corte.
O sabor da fera
é a espera,
Busca na rua
noites sem Lua.
A fama é a fome
que o drama escolhe,
Homens perdidos
alguns amigos.
Não são de raça
servem de caça,
Correm à frente
oh, boa gente.
Um vira latas
finca de caras,
O osso da sorte
o ouro da noite.
O Sol já aquece
o pano desce,
Tudo se cala
a fome e a fala.
São rafeiros, mensageiros
pela noite, os primeiros,
Pela noite, forasteiros
como a noite, passageiros.
São rafeiros, mensageiros
pela noite, os primeiros,
São rafeiros, mensageiros
pela noite, pela noite, os primeiros.
5. COMÉDIA HUMANA (Parte 1)
Cimeiras e olheiras
tratados de redução,
Uma ilha com palmeiras
os conflitos em discussão.
Uma tenda no deserto
com o ar condicionado,
Uma feira de armamento
com camelos de artesanato.
O oeste é o melhor
como diz a canção,
Uncle Sam, o salvador
doce Gorbi estende a mão.
Não há pressa nas tragédias
só imagens na tv,
Da Etiópia à Roménia
o povo sem saber porquê.
Fanatismos no Irão
ou motins no Soweto,
A toyota do Japão
num rally do deserto.
O oeste é o melhor
como diz a canção,
Uncle Sam, o salvador
doce Gorbi estende a mão.
Índios em extinção, esquimós da solidão
violência na miséria em África e n'América,
Palestina em pé de guerra, Timor sempre à espera
tiranos e profetas, ayatollahs e atletas, à espera.
Meu Deus, que comédia é esta
os homens as armas e a guerra,
Os homens em armas, são a guerra.
O oeste é o melhor
como diz a canção,
Uncle Sam, o salvador
doce Gorbi estende a mão.
6. PODERIA SER ASSIM
Poderias aceitar olhar o espelho
e aceitar as ordens deste mosteiro,
Fecharias os olhos para aceitar
os olhos abertos no escuro a brilhar,
Olhares à volta e aceitares
olhares à volta e o escuro a brilhar.
Poderias ser o cofre de todo o amor
ser feliz sem sentir qualquer dor,
Estranha forma de agir em silêncio
o Sol a queimar, cerco do tempo,
Abrires os braços e eu aceitar
abrires os braços deixares-me ficar.
Poderia ser assim
Mas foi p'ra isso que cá vim?
Não sei, não sei.
O convite chegou sem atraso
a pequena ironia do meu caso,
Esta é uma história escorregadia
o cantor a deitar-se na melodia,
É noite aqui, neste quarto
um brilho no escuro, outro cigarro.
Poderia ser assim
Mas foi p'ra isso que cá vim?
Não sei, não sei.
7. DO ZERO
Já fui abaixo, voltei p'ra cima
um mau bocado que marca a vida,
O que mais dói são os enganos
os golpes baixos que não esperamos,
Sombras discretas a deslizar
são só amigos a rastejar.
Mas é do zero que eu vou partir
É de dentro que eu vou sair
É daqui que eu vou fugir, do zero.
Vidas sem história, lutas sem fim
um dia a mais passou aqui,
Fica o silêncio como um dilúvio
estamos a ver cinema mudo,
Plateia cheia, olhos pasmados
tudo a fingir, os cornos baixos.
Mas é do zero que eu vou partir
É de dentro que eu vou sair
É daqui que eu vou fugir, do zero.
Esta tragédia por ser pequena
não é notícia é morte lenta,
É esquecimento ou dor calada
puro cinismo sem navalhada,
O sangue quente vai esfriando
se tu deixares, seca por dentro.
Mas é do zero que eu vou partir
É de dentro que eu vou sair
É daqui que eu vou fugir, do zero.
8. GIN PURO
Gin puro
noite clara
um abuso
a boca amarga.
No écran
L.A. convida
olhos de galã
anos trinta.
Minha amiga, esta noite, Lua cheia
Despedida, criminosa, derradeira.
Gin puro
beber sempre
nem fim nem fundo
ir na corrente.
Por qualquer lado
sem daqui sair
naufrágio
Alcácer Quibir.
Minha amiga, esta noite, Lua cheia
Despedida, criminosa, derradeira.
9. MANEL DAS MÃOZINHAS
Ele chega bem cedo
a cara esmurrada,
Cambaleando
sem dizer nada.
Olha à volta
e fila o primeiro,
"Oh meu, espera aí
tou sem dinheiro."
"Oh meu, tu não fujas
eu sou o mãozinhas,
Arranja-me uns trocos
p'ras vitaminas."
Manel solitário
às oito na praça,
Sentado num banco
escutando a estátua.
Manel, o das mãozinhas
anda solto pela cidade,
A fazer algum pela vida
sombra negra sem idade.
P'ra frente e p'ra trás
a falar sozinho,
O povo passa
pelo maluquinho.
Vai mais um bagaço
e o Lino não chega,
"Anda aqui bicho
a moer-me a cabeça."
Manel não aguenta
e sai disparado,
Um carro que trava
"Ah, meu grande bandalho."
E se fosse ali
a morte a chegar,
"Ó morte da vida
deixa de me olhar."
Manel, o das mãozinhas
anda solto pela cidade,
A fazer algum pela vida
sombra negra sem idade.
E sempre às voltas
ao longo da praça,
Contando uma história
pedindo a quem passa.
À tarde na escola
os putos são certos,
Manel fica à esquina
a polícia está perto.
A noite tropeça
numa discussão,
"O caldo não chega
p'ra dois, meu irmão."
Na casa de banho
da velha taberna,
Manel aperta
a veia que sangra.
Manel, o das mãozinhas
anda solto pela cidade,
A fazer algum pela vida
sombra negra sem idade.
10. COMÉDIA HUMANA (Parte 2)
No centro dos conflitos
há petróleo e fronteiras,
Ódios velhos entre tribos
a mentira das bandeiras.
Norte, Sul, Leste, Oeste
onde a fome está presente,
Fugitivos como peste
que agita o Ocidente.
E a nós aqui tão perto
as colónias na memória,
Cruzadas que deram certo
nos velhos livros da história.
O oeste é o melhor
como diz a canção,
Uncle Sam, o salvador
doce Gorbi estende a mão.
11. BARES
Os sítios são ordinários
as horas doentias,
A noite é um preçário
de sorrisos anestesia.
O circo enche a cerca
os heróis prometidos,
Amores em cena
aplausos comovidos.
E as noites são brilhantes
como mantos de orvalho,
Mil histórias bebidas
na memória do espantalho.
Estilhaços de gente
de ouro e prata,
Risco cintilante
as noites são de gala.
A festa tem a hora
a hora quer mais tempo,
Aqui o tempo sobra
na fúria do desejo.
E as noites são brilhantes
como mantos de orvalho,
Mil histórias bebidas
na memória do espantalho.
CD2 - SANTA LOUCURA
1. UM TIRO NA SOLIDÃO
Um par dançava
no centro da sala,
Sozinho dançava
a última valsa.
O chuto na bola
passou ao lado,
O povo implora
conhece o culpado.
Tiriri laohh, tiriri laohh
O bom poeta
é um homem morto,
Tudo lhe presta
e dói-lhe pouco.
Esse atleta
que caiu de bruços,
Chegou à meta
ao fim de tudo.
Tiriri laohh, tiriri laohh - dá, dá um tiro
Tiriri laohh, tiriri laohh - dá, dá um tiro na solidão.
2. UM COPO CONTIGO
Brindar a tudo
beber por nada,
A maré cheia
e a boca amarga.
Quem bebe assim
merece a taça,
E se ele cair
levem-no a casa.
Vive um homem
nessa figura,
Dançando medos
no fim da rua.
A noite morre
na manhã clara,
É tão difícil
chegar a casa.
Eu não me escondo
não me esquivo,
Eu bebo sempre
um copo contigo.
Um copo, um copo contigo
Um copo, um copo contigo.
Eu não me escondo
não me esquivo,
Eu bebo sempre
um copo contigo,
Eu não me escondo.
3. SANTA LOUCURA
Cruzo uma auto estrada
perguntas sem resposta,
Feroz velocidade
que o cérebro transporta.
Às vezes tão à beira
de um colapso insano,
Frágil é a fronteira
pequenas contas do tempo.
Santa, santa loucura
Santa, santa loucura.
Orar à volta de mim
mal cheirar este mundo,
Se calhar já morri
tão decente e moribundo.
Desastres ao acaso
um silêncio banal,
Convite para o outro lado
paro, caio, dou o sinal.
Santa, santa loucura
Santa, santa loucura, Santa.
4. FOI NO PORTO
Meia tarde na Boavista
tu passavas sozinha,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
Um acaso não olhaste
sem fugir escapaste,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
Cabelo solto, magra figura
que é feito dessa miúda,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
E o tempo tão depressa
é a história que me resta,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
5. SARAJEVO (VERÃO 92)
Diz-me que este verão foi mentira
nada disto está a acontecer,
Sarajevo, um alvo nas miras
e os polícias do mundo estão a ver.
Jugoslávia bonita, filha da Europa
Fronteiras malditas que o ódio devora
Sarajevo, Sarajevo, ohh, oh.
É no centro do velho continente
que a matança das raças se consome,
Esse homem de pé deve morrer
no terreiro de caça só o medo se move.
Jugoslávia bonita, filha da Europa
Fronteiras malditas que o ódio devora
Sarajevo, Sarajevo, ohh, oh.
Sarajevo não tem fim
a vergonha está isenta,
Assim apodrece um país
no palco deste planeta.
Jugoslávia bonita, filha da Europa
Fronteiras malditas que o ódio devora
Sarajevo, Sarajevo, ohh, oh.
O pior dos animais anda à solta
a vingança nos olhos ancestrais,
Solução final que se retoma
Hitler à mesa dos chacais.
Jugoslávia bonita, filha da Europa
Fronteiras malditas que o ódio devora
Sarajevo, Sarajevo, ohh, oh.
6. MENINA ESTÁS À JANELA
Menina estás à janela
com o teu cabelo à Lua,
Não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua.
Sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda dela,
Com o teu cabelo à Lua
menina estás à janela.
Estás à janela
com o teu cabelo à Lua,
Não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua.
Uma prenda tua
sem levar uma prenda dela,
Com o teu cabelo à Lua
menina estás à janela.
Cabelo à Lua menina, estás à janela.
7. ESTA DANÇA NÃO ME INTERESSA
Se o mar está poluído
e os peixes a morrer,
Se aquilo que produzimos
não dá para comer.
Já não me interessa, já não me interessa.
Se as fábricas de armas
são o orgulho nacional,
Se a venda de balas
dá trabalho a Portugal.
Já não me interessa, já não me interessa
Já, já não me interessa.
Se o país é pequenino
e assim quer viver,
Se este fraco destino
é esperar até morrer.
Já não me interessa, já não me interessa.
Se há crianças sem sorte
neste lar português,
Se tu danças com a morte
sem saberes o que vês.
Já não me interessa, já não me interessa
dança, esta dança, não me interessa,
Já não me interessa - não me interessa
Já não me interessa - não me interessa
Já não me interessa - não, não, não me interessa.
8. TÃO QUENTE
Só num quarto de hotel
despojado, disciplino o pensamento,
Sigo o voo das ideias
estou perto, em mim a tempestade.
É quente o tempo presente
a luz do Sol tão quente,
É quente o tempo presente
a luz do Sol tão quente, tão quente.
Cerro os olhos de ver
oiço o tribunal, feroz, dentro de mim,
Tudo nas horas da vida
lembra a tua passagem por aqui.
É quente o tempo presente
a luz do Sol tão quente,
É quente o tempo presente
a luz do Sol tão quente, tão quente.
9. LISBOA HOTEL
A meio da noite, de um dia qualquer
Lisboa cansada quer adormecer,
Nas velhas ruas no centro da baixa
há vultos esquivos, inventando uma casa.
Hua hua hua hey
Enrolados em trapos, suites de cartão
totalistas do acaso, hóspedes da ilusão,
São velhos e novos às vezes em tribos
Partilhando entre si, a vingança do destino.
Hua hua hua hey
O hotel está aberto, com as portas fechadas
noite da indiferença ninguém sabe quando acabas,
Há um refrão na história, na canção conhecida
a face da miséria é o negro lado da vida.
Hua hua hua hey
10. O QUE RESTA DE MIM
Às vezes o que resta de mim
é um par de calças suadas,
Caras de camarim
o som da sala e mais nada.
Às vezes o que resta de mim
é um par de horas usadas,
Um abuso que vivi
e se doer, não digo nada.
Salta p'ra 'qui
sê o meu retrato,
Leva-me p'raí
faz, faz o teu espectáculo.
Às vezes só encontro aqui
o refúgio do sonho,
Um oceano fremente de luz
dança feliz um louco.
Quase sempre já no fim
partir em segredo,
Tudo aquilo que eu quis
por tudo aquilo que tenho.
Salta p'ra 'qui
sê o meu retrato,
Leva-me p'raí
faz, faz o teu espectáculo.
Não me interessa o rumo
só o calor da festa,
Até ao fim de tudo
velhos bandidos, novos profetas.
Salta p'ra 'qui
sê o meu retrato,
Leva-me p'raí
faz, faz o teu espectáculo.
11. AQUI PLANETA TERRA
Gritamos por Jesus
e olhamos a guerra,
são os dias da tv
aqui planeta Terra.
Oooh, oh, oh, oh
A agonia do mundo
o fim da humanidade,
O vazio na barriga
credos crueldade.
Oooh, oh, oh, oh
Quase tudo se passa
do outro lado de tudo,
No outro lado da rua
uma cortina de fumo.
Oooh, oh, oh, oh
Entre o hino e a bandeira
estão em jogo os generais,
É brilhante a estupidez
nas paradas nacionais.
Oooh, oh, oh, oh
12. SUAVE DANÇA DO VENTO
Há o Sol a queimar do lado mexicano, os índios
à espera a cavalo, na espera, esvaindo-se o tempo
severo, servente no ecrã da fronteira.
Mantos da noite que chegam pelo deserto,
sincera a confissão e o deserto espera, acelera,
a dança magnífica que prepara o encontro.
Há na cena um intruso e ele veste a pele do mal,
um visitante que se insinua, hipnótico,
desperta a dança, inicia a convocação.
O silêncio é o meio silencioso e alheio, rodopia
pressente-se o desenlace demente, o tumulto.
A morte que voa em círculos, viaja nas vísceras do
rapinador. É esta a dança do vento, suave de presságios,
suave movimento, precário farrapo da morte.
Lendas no esquecimento, margem proverbial
areias-sepulcro de rochedos-império.
Mundos de marés e murmúrios aplaudem
circulando - o fim é o princípio circulando - Akashic.
Um plasma universal onde voga o conhecimento,
aguarda o instinto, por mais miserável que seja a existência
deste homem, sufocante, de olhos, ossos e gozo,
esfacela em agonia, luta, de si para si, agoniza.
Oh, doce insónia da interrogação que me fazes erguer
sem motivo aparente. Que me acordas de um sono
trespassado e me permites ver o nascimento do fogo eterno.
Oh, ensejo e ambição de conquista e glória que me chamaste
aqui, abre-me o portal do tempo e da memória, quero percorrer
a primeira floresta onde nasci. Perder-me de mim.
Um farrapo frágil de nuvem vai, suave na dança do vento.
Oh, insónia do meu atrevimento, ficarei nos teus braços
ancorado. Toca-me.
13. ÍNDIO (EU E TU AQUI)
A espera calada no homem
à volta colinas desertas,
O crepúsculo chama o fim
este prazer às avessas.
Índio, que é feito de ti?
Índio, eu e tu aqui.
Anda o medo pelas sombras
falas surdas do vento,
O suor escolhe as gotas
na passagem do tempo.
Índio, que é feito de ti?
Índio, eu e tu aqui.
Há uma história de mim
e outras por mim contadas,
A memória que sorri
de outras vidas passadas.
Índio, que é feito de ti?
Índio, eu e tu aqui,
Só eu e tu aqui - Índio
Que fazes tu aí - Índio
Que é feito de ti - Índio
Só eu e tu aqui - Índio
Eu e tu aqui.
14. NÃO ME DEIXES FICAR AQUI
Ao longo da praia
a praia mais longa,
A Lua molhada
partindo nas ondas.
À frente as docas
o porto parado,
Barcos quedos
brando mar cansado.
Ao longo da vida
por esta passagem,
Figuras conhecidas
de outras paisagens.
Figuras com nós
na praia deserta,
Criando inimigos
e estranhas tarefas.
Não me deixes ficar aqui
Não me deixes ficar aqui.
15. ESPERAR AQUI POR TI
Há uma linha que arde
no horizonte escurecido,
É o traço da noite
o dia já sumido.
O regresso é um desejo
se for o que parece,
O caminho conhecido
fogo brando que aquece.
Em murmúrios ando eu
pelas horas errando,
Linguagem de silêncios
homem só vagueando.
No desfile da vida
neste palco iluminado,
Muito pouco à vista
e o resto só procurado.
Esperar aqui por ti, esperar aqui por ti
Esperar aqui por ti, esperar.
16. SARAJEVO (VERÃO 92-II)
(Same track 5)
17. ESTES MOMENTOS
Não chores por mim
quase nada vale a pena,
Não chores assim de ti
lembra-te apenas.
E se olhares em redor
e eu estiver ausente,
Leva a sério o teu pudor
apaga o fogo quente.
Deste lado um sorriso
que me olha taciturno,
Outra noite sozinho
no abrigo do mundo.
Mais poeta por falar
que poeta de escrever,
Há um ser e um estar
e a vida que vier.
Mais um grito para quê
o silêncio está aos berros,
Ninguém pára, ninguém vê
estes momentos.
18. DUELO AO ESPELHO
Partido ao meio, partido em dois
o frio de janeiro no suor de agosto,
Vida secreta é disfarçar
o Sol aperta, quase a queimar.
Olho p'ra mim, olhei o medo
Olho p'ra mim, duelo ao espelho.
Há um intruso na minha pele
sou eu que uso a alma dele,
Fez-se amigo, é convidado
no meu abrigo, do outro lado.
Olho p'ra mim, olhei o medo
Olho p'ra mim, duelo ao espelho
Duelo ao espelho, duelo ao espelho.
19. SÓ UM CONVITE
Ando à espera que apareças
e transformes o meu sonho,
Estranha vida às avessas
solidão onde me encontro.
Há uma luz em cada noite
viajando pelos dias,
A fantasia e o mote
no desempenho da vida.
Eu só espero um convite
um convite de ti,
Eu só quero um convite
que me leve daqui.
Vem, vem ter comigo
forasteira, vem depressa,
Sinuoso o caminho
deixarei a porta aberta.
Eu só espero um convite
um convite de ti,
Eu só quero um convite
que me leve daqui.
20. NO BANCO DE TRÁS
Foi no banco de trás
do carro dos teus pais,
Que te descobri
noite à beira do cais.
Enquanto a Lua passava
sozinhos no mundo,
Promessas trocadas
do amor mais puro.
Foi no banco de trás, foi no banco de trás
Que a noite nos trouxe o amor melhor que há.
Doce cara bonita
de uma noite qualquer,
Ficarás sempre em mim
por mais que a vida me der.
Ver-nos-emos talvez
se o acaso mandar,
Se a sorte quiser
e a saudade deixar.
Foi no banco de trás, foi no banco de trás
Que a noite nos trouxe o amor melhor que há,
Foi no banco de trás, foi no banco de trás.
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