UHF : Duas Noites Em Dezembro
Letras
DISC 1
1. RAPAZ CALEIDOSCÓPIO
Um intelectual de ar estafado
um homem de faces cavadas na noite,
Cruza o Bairro Alto no silêncio dos ténis claros
em passos largos de dança.
Ele é um duro como rock
fã da violência,
E olha a vida pelos óculos
gingando cadência,
Veste cabedal que é napa preta,
Heyahoh la la la.
Quando a fome aperta
ele toma o caminho da fábrica ou do estaleiro,
E na próxima fuga entra na pele do animal
que o torna agressivo, reputação ideal.
Ele é um duro como rock
fã da violência,
E olha a vida pelos óculos
gingando cadência,
Veste cabedal que é napa preta,
Heyahoh la la la.
2. ESTOU DE PASSAGEM
Dá-me abrigo por esta noite
dá-me abrigo por esta noite,
Procuro conforto no teu cobertor
a noite prepara jogos de amor,
Febre que sobe e acende a fogueira
entre as chamas vivas da fogueira.
Dói-me cá dentro ao certo não sei
dói-me cá dentro ao certo não sei,
Dói-me o inferno da minha arte
dói-me o silêncio da tua carne,
Feito sossego nas minhas mãos
é quente o silêncio das tuas mãos.
Dá-me um bilhete p'ro inferno.
São línguas de fogo que entram pelo corpo
são línguas de fogo que entram pelo corpo,
São noites de assombro e descoberta
em busca da vida estou de passagem,
Parto contigo na minha bagagem
parto sozinho p'ra longa viagem.
Dá-me um bilhete p'ro inferno.
3. JORGE MORREU
Ele andava por aí
como tu e eu andamos,
Queimando um cigarro
queimando os nervos.
Nevoeiro no cérebro
num bailado de fantasmas,
Entre o frio e o zelo
e a importância dos notáveis.
Jorge morreu, Jorge morreu.
Ele tinha a tua cara
ele tinha a minha cara,
Ele era ninguém
que a vida desafiava.
Jorge um dia passou
à frente da ventania,
Entoando o refrão
e uma velha melodia.
Jorge morreu, Jorge morreu.
Jorge, Jorge, onde estás? Onde estás?
Jorge, Jorge, onde estás? Onde estás?
Quem te matou?
Deixou a cidade
subiu à montanha,
Entrando na paisagem
onde um homem se amanha.
Jorge parou
os ponteiros da vida,
Mergulhando os olhos
no mar de água fria.
Jorge morreu, Jorge morreu.
4. UM TIPO SINCERO
A minha vida não teve
um destino certo,
Só a fome e a sede
de quem vence o deserto.
A minha vida faz-se
um dia de cada vez,
Sob a luz do sol que arde
água fresca p'ra beber.
Sou o exemplo do que digo
sou um tipo sincero,
Desenhei o meu caminho
sem grande mistério.
A minha vida não tem
um destino certo,
Só a força de quem
vive os dias sem medo.
A minha vida faz-se
de coisas tão simples,
A canção que agora nasce
o teu sorriso sublime.
Sou o exemplo do que digo
sou um tipo sincero,
Desenhei o meu caminho
sem grande mistério.
Não há sorte nem azar
por capricho dos deuses,
Escolhe o caminho a tomar
não hesites tantas vezes.
Sou o exemplo do que digo
sou um tipo sincero,
Desenhei o meu caminho
sem grande mistério.
5. A MORTE SAIU À RUA
A morte saiu à rua num dia assim
naquele lugar sem nome p'ra qualquer fim,
Uma gota rubra sobre a calçada cai
e um rio de sangue dum peito aberto sai.
O vento que dá nas canas do canavial
e a foice duma ceifeira de Portugal,
E o som da bigorna como um clarim do céu
vão dizendo em toda a parte, o pintor morreu.
Teu sangue, pintor, reclama outra morte igual
só olho por olho e dente por dente vale,
A lei assassina a morte que te matou
teu corpo pertence à terra que te abraçou.
Aqui te afirmamos dente por dente assim
que um dia rirá melhor quem rirá por fim,
Na curva da estrada há covas feitas no chão
e em todas florirão rosas duma nação.
A morte saiu à rua num dia assim
naquele lugar sem nome p'ra qualquer fim,
Uma gota rubra sobre a calçada cai
e um rio de sangue dum peito aberto sai.
Sai do peito, peito aberto, sangue sai, sai, sai
Sangue, sangue, sangue.
E o pintor morreu, e o pintor morreu,
Dizem, dizem, morreu.
O vento que dá nas canas do canavial.
6. VERNÁCULO (PARA UM HOMEM COMUM)
Estou cansado, pá, cansado e parado por dentro
sem vontade de escolher um rumo,
sem vontade de fugir, sem vontade de ficar.
Parei por dentro de mim, olho à volta e desconheço o sítio
as pessoas, a fala, os movimentos,
a tristeza perfilada por horários,
este odor miserável que nos envolve,
como se nada acontecesse e tudo corresse nos eixos.
Estou cansado destes filhos da puta que vejo passar,
idiotas convencidos que um dia um voto lançou pela tv,
e se acham a desempenhar uma tarefa magnífica.
Com requinte de filhos da puta, sabem justificar a corrupção
o deserto das ideias, os projectos avulso para coisa
nenhuma, a sua gentil reforma e as regalias.
Esses idiotas que se sentam frente-a-frente no ecrã
à hora do jantar para vomitar o escabeche
de um bolo de palavras sem sentido.
Filhos da puta, porque se eternizam,
se levam a sério e nos esmigalham o crânio
com as suas banalidades: "O sôtor, vai-me desculpar."
O que eu quero é mandá-los cagar para um campo
de refugiados qualquer, vê-los de Marlboro entre os dedos
a passear o esqueleto, entre os esqueletos,
naquela mistura de cheiros e cólicas que sufoca,
apenas e só - sufoca.
Estou cansado, cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente, com ferrete
Obediente, obediente.
Estou cansado de viver neste mesmo pequeno país
que devoram, escudados pelas desculpas
mais miseráveis. Este charco bafiento onde eles pastam.
Gordos que engordam, ricos que amealham sem parar,
idiotas que gritam, paneleiros que se agitam
de dedo no ar. Filhos da puta a dar a dar,
enquanto dá a teta da vaca do Estado.
Nada sabem de história, nada sabem porque nada lêem,
além da primeira página da Bola, o Notícias a correr
e o Expresso, porque sim! Nada sabem das ideias
do homem, da democracia, Atenas e Roma,
os Tribunos e as portas abertas, e a ética e o diálogo
que inventaram o governo do povo pelo povo.
Apenas guardam o circo e amansam as feras,
dão de comer à família até à diarreia,
aceitam a absolvição, e lavam as manipulas
na água benta da convivência sã, desde que todos
se sustentem na sustentação do sistema.
Contratualizem (oh neologismo) o gado miúdo,
enfatizem o discurso da culpa alheia
pela esquizofrenia politicamente correcta:
Quando gritam, até parece que se levam a sério,
mas ao fundo, na sacristia de São Bento,
o guião escrito é seguido pelas sombras vigentes.
Estou cansado, cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente, com ferrete
Obediente, obediente.
Estou cansado de abrir a porta de casa e nada estoirar
como na televisão. Não era lá longe, era aqui mesmo,
barricadas, armas, pedradas, convulsão, nada,
não há nada. Os borregos, as ovelhas e os cabrões
seguem no carreiro como se nada lhes tocasse,
e não toca. A não ser quando o cinto aperta.
Mas em vez da guerra, fazem contas para manter a fachada:
Ah, carneirada! Vossos mandantes conhecem-vos
pela coragem e pela devoção na gritaria do futebol
a três cores, pelas falas de quem voa baixinho
e assume discursos inflamados sem tutano.
Estou cansado, cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente, com ferrete
Obediente, obediente.
Estou cansado, pá, sem arte, sem génio, cansado:
Aqui presente está a ementa e o somatório erróneo
do desempenho de uma nação, um abismo prometido
camuflado por discursos panfletários:
Morte aos velhos! Morte aos fracos!
Morte a quem exija decência na causa pública!
Morte a quem lhes chama filhos da puta!
E essa mãe já morreu de sífilis à porta de um hospital.
Mataram os sonhos, prenderam o luxo das ideias livres,
empanturraram a juventude de teclados para a felicidade
e as famílias de consumo & consumo,
até ao prometido AVC, que resolve todas as prestações:
Quem casa com um banco vive divinamente feliz,
e tem assistência no divórcio a uma taxa moderada
pela putibor. Estou cansado, pá,
da surdez e da surdina, desta alegria por porra nenhuma,
medida pelo sorriso de vitória do idiota do lado
quando te entala na fila e passa à frente.
É a glória única de muita gente, uma vida inteira...
Uh uh ah ah, eleitos, cuidem da oratória...
7. QUEBRA-ME
Ninguém quer a verdade, que ela estremece
o mais belo sorriso no momento exacto,
Golpes de mão, hábeis sem ruído
cidadãos vorazes sem preço fixo,
Não sou daqui, desta nacionalidade
sou do mundo e procuro ver a claridade.
Quebra-me! Quebra-me!
Daqui não quero mais do que a fome e a justiça
o resto são serviços e serão cumpridos,
Vamos vivendo uma vida apressada
palavras sem fundo e linhas trocadas,
Quebra-me querida o cinismo envolvente
quebra-me o feitiço, o acto é decente.
Quebra-me! Quebra-me!
Quebra-me! Quebra-me!
8. LILY CASOU À PRESSA
Lily casou à pressa
teve boda e karaoke,
Copo d'água em beleza
e dinheiro num envelope.
Mário tinha uma paixão
no tunning um amor,
Lily no coração
tatuada com ardor.
Lily casou à pressa
Lily queria uma festa.
Lily chegou a casa
mais cedo que o previsto,
Vinha farta e cansada
carente de carinho.
Do quarto do casal
uma mulher espreitava,
Se a história era banal
a vida era malvada.
Lily fugiu à pressa
Lily perdeu a cabeça.
Lily casou à pressa
foi branco o enxoval,
Uma festa singela
numa aldeia de Portugal.
Se Lily casou à pressa
veloz se separou,
Fugiu da sua terra
e da vida que um dia sonhou.
Lily casou à pressa
Lily teve uma festa.
9. GERALDINE
Dona de passagem na avenida
mulher de corpo de marfim,
Sopras o fumo na minha cara
e nem sequer me vês à passagem.
Geraldine foi violada
no quarto da mãe,
E agora passeia estoirada
no ritmo que a vida tem.
Sem descanso nem horário
Geraldine tem de cumprir,
P'ra sacar o ganho
que o chulo vai consumir.
Quando a dança aquece
e as ofertas correm na praça,
Geraldine arrisca a vida
ensaiando a farsa.
"Há uma guerra diferente que podemos travar:
O amor contra o medo. O amor vai ganhar.
Quando a luz se apagar esta noite, meu amor,
fica a Lua a olhar velando pelos dois.
Gritar, minha querida, meu amor, e não tenho a quem,
soltar-me da dor maior que na vida encontrei,
mostrar, por fim, quem sou sem fingir outra coisa.
Um homem que usou ao longo desta prova."
10. SINAIS (PRESENTES DO TEMPO)
Se a porta está fechada
mete a porta dentro,
Se a coruja não diz nada
o falcão está atento.
São sinais do tempo
presentes a espreitar,
Sinais do silêncio
para nos guiar.
Se o rebanho está feliz
os lobos vão à caça,
Avestruz ou perdiz
sem penas tudo marcha.
São sinais do tempo
presentes a espreitar,
Sinais do silêncio
para nos guiar.
Mete a língua de fora
mostra os dentes e ri,
Se o mundo não aprova
corre com ele daqui.
São sinais do tempo
presentes a espreitar,
Sinais do silêncio
para nos guiar.
Se a porta está fechada
sai do lado de fora,
Tanta raiva amordaçada
e tanto ruído de sobra.
São sinais do tempo
presentes a espreitar,
Sinais do silêncio
para nos guiar, para nos guiar.
11. MATAS-ME COM O TEU OLHAR
Noites frias de marfim
noites frias ao luar,
A conversa já no fim
matas-me com o teu olhar.
Matas-me com o teu olhar
Matas-me com o teu olhar.
Sabes que esta vida corre
como a sombra pelo chão,
Nada fica, tudo foge
ouve a voz do coração.
Matas-me com o teu olhar
Matas-me com o teu olhar,
São como cubos de gelo
que eu sinto ao tocar,
As palavras têm medo
matas-me com o teu olhar.
Matas-me com o teu olhar
Matas-me com o teu olhar,
Com o teu olhar.
12. FOI NO PORTO
Meia tarde na Boavista
tu passavas sozinha,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
Um acaso não olhaste
sem fugir escapaste,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
Cabelo solto, magra figura
que é feito dessa miúda,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
E o tempo tão depressa
é a história que me resta,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva,
Foi no Porto, Porto, dia de outono, na Casa da Música.
13. O VENTO MUDOU
Oiçam, oiçam,
O vento mudou
ela não voltou,
As aves partiram
as folhas caíram.
Ela quis viver
e o mundo correr,
Prometeu voltar
se o vento mudar.
E o vento mudou
e ela não voltou,
Sei que ela mentiu
p'ra sempre fugiu.
Vento por favor
traz-me o seu amor,
Vê que eu vou morrer
sem não mais a ter.
Nuvens tenham dó
que eu estou tão só,
Batam-lhe à janela
chorem sobre ela.
E as nuvens choraram
e quando voltaram,
Soube que mentira
p'ra sempre fugira.
Nuvens, por favor
cubram minha dor,
Já que eu vou morrer
sem não mais a ter.
Oiçam, oiçam, oiçam.
14. MENINA ESTÁS À JANELA
Menina estás à janela
com o teu cabelo à Lua,
Não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua.
Sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda dela,
Com o teu cabelo à Lua
menina estás à janela.
Estás à janela
com o teu cabelo à Lua,
Não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua.
Uma prenda tua
sem levar uma prenda dela,
Com o teu cabelo à Lua
menina estás à janela.
Cabelo à Lua menina, estás à janela.
DISC 2
1. A LÁGRIMA CAIU
Tu sabes bem
que o amor se perdeu,
Não o faças refém
foi meu e teu.
Foi o que foi
o que nós deixamos,
Inocentes os dois
culpados ficamos.
A lágrima caiu
sem tu saberes,
Por ti caiu
a última vez.
A flor da saudade
que nasce selvagem,
Daninha se espalha
por toda a paisagem.
Por todos os locais
em todos os cheiros,
Há histórias reais
de um cativeiro.
A lágrima caiu
sem tu saberes,
Por ti caiu
a última vez.
Um dia, talvez
possamos lembrar,
De novo, talvez
falar sem gritar.
A lágrima caiu
sem tu saberes,
Por ti caiu
a última vez.
2. VEJAM BEM
Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem se põe a pensar
quando um homem se põe a pensar.
Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar.
E se houver
uma praça de gente madura
e uma estátua,
e uma estátua de febre a arder.
Anda alguém
pela noite de breu à procura
e não há quem lhe queira valer
e não há quem lhe queira valer.
Vejam bem
daquele homem a fraca figura
desbravando os caminhos do pão
desbravando os caminhos do pão.
E se houver
uma praça de gente madura
ninguém vai levantá-lo do chão
ninguém vai levantá-lo do chão.
Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem,
quando um homem se põe a pensar.
Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar.
3. A TIA DORINDA
A tia Dorinda
é tia roupão,
Já foi a mais linda
nas danças de salão.
A tia Dorinda
a tia roupão,
Vive de torradas
e muita televisão.
A tia Dorinda
de um loiro eterno,
Ainda salta à vista
armada de mistério.
A tia Dorinda
tem um afilhado,
Veio da província
rapaz muito calado.
A tia Dorinda
tem homem em casa,
Diz a má língua
de faca afiada.
A tia Dorinda
de um loiro eterno,
Ainda salta à vista
armada de mistério.
A tia Dorinda
tem a vida cheia,
Velhas intrigas
camadas de inveja.
A tia Dorinda
fatal e senhora,
Por trás das cortinas
num bairro de Lisboa.
A tia Dorinda
de um loiro eterno,
Ainda salta à vista
armada de mistério.
4. ÉBRIOS (PELA VIDA)
O blues na minha vida em calças de ganga vestidas
Esguias no traço, vagas no passo
Que as leva e traz no ruído do tráfego
Tanto faz, tanto faz...
Fim de tarde em café, com uma amiga em naufrágio
Sacrossanto, altar de espanto, pouco p'ra dizer
A não ser, beber-te os olhos, beber em tragos
No silêncio do quarto de hotel.
O blues marcando a vida quando o grito desafina
E as ideias explodem nas veias do poeta
Traçando o ritmo, forçando a rima
Traçando o ritmo, forçando a rima.
Às vezes prefiro despejar copos no meu silêncio macabro
Nas margens deserto
Por entre os dedos o medo, o medo...
Estou a ficar bêbado, sabes
Bêbado na ânsia felina da espera
Que abre as portas do prazer...
Quero-te! Quero-te!
Caí agora em mim e desci entre aplausos
Davam-me honras militares e o lugar no cadafalso.
Caí agora em mim e vou ser o maior
Quero ver-te de rastos a ganir mergulhando a meus pés
Quero-te! Quero-te!
Os meus olhos caem vermelhos sob o peso do dia
A música sabe a whisky
Quando o momento chegar
Quero ficar no pensamento da madrugada
Amanhã outro dia
Voltaremos cativos enquanto a promessa da vida
Resistir como esperança de sabor diferente
Tanto faz, tanto faz..
5. A MINHA GERAÇÃO
A minha geração
acreditou em promessas,
Engrossou a procissão
foi indo na conversa.
Aceitou o futuro
como se fosse presente,
A cenoura e o burro
qual dos dois vai à frente.
A minha geração
deu tudo por uma casa,
Mistério e padrão
de uma vida hipotecada.
Encheu-se de rotinas
começou pelo casamento,
Uma vida preenchida
sem nada por dentro.
A minha geração, a minha geração.
A minha geração
ainda fuma um charro,
Essa espécie de refrão
que acende o passado.
Transferiu para os filhos
os sonhos adiados,
Chamou-lhe destino
nos versos de um fado.
A minha geração, a minha geração.
Trocou a felicidade
por bens de consumo,
A jura e a vontade
de querer mudar o mundo.
Jogou à cabra cega
deixou-se apanhar,
A vida é uma arena
onde nos querem lixar.
A minha geração, a minha geração
A minha geração.
6. PERSONA NON GRATA
Desde os bancos da escola
na rua em que cresci,
Aprendi a desarmar
as armadilhas que vi.
Com ideias em chamas
e nuvens no olhar,
Fui cortando as amarras
conversando sem falar.
Rola, rola, persona non grata
Rola, rola, persona non grata.
Dei comigo homem feito
entre bonecos de palha,
Uns políticos suculentos
outros figuras mutiladas.
Ah, não me calem a voz
vou destruir a desgraça,
Que essa marca lusitana
francamente não me agrada.
Rola, rola, persona non grata
Rola, rola, persona non grata.
Farto da espera
e de aguentar,
Abram-me as portas
que eu vou entrar.
Rola, rola, persona non grata
Rola, rola, persona non grata,
Persona non grata, persona non grata.
7. TUDO SE MOVE À PROCURA
Indícios de traição
réstias de prazer,
Nem amigo ou irmão
um sujeito qualquer.
Que há-de vir aqui
sentar-se à minha mesa,
Beber do que eu pedi
manter uma conversa.
Foi-se o Sol, veio a Lua
Tudo se move à procura.
Como um filme parado
o Sol parte aos poucos,
A elegia do sagrado
ébrio brilho nos olhos.
Dia a dia rasgamos
folhas de calendário,
As horas, os anos
mas o tempo está parado.
Foi-se o Sol, veio a Lua
Tudo se move à procura.
8. DANÇA DE CANIBAIS
Tomo-te o gosto, no cheiro, no andar deslizante
por aí, a calhar, com apetite violência,
Passo a teu lado, saboreando, saboreando.
És a mulher de alguém, baloiçando as ancas como ninguém
quero deitar-te a mão antes que desapareças,
Baloiçando as ancas como ninguém
saboreando, saboreando.
O meu desejo é parar o mundo
no jogo tique da esperteza,
Falar sem luz no escuro
ganhando mais clareza.
O meu desejo é abrir os sonhos
seguirmos algum tempo juntos,
Juntos, ah ah... Saboreando, saboreando.
9. UM MAU RAPAZ
Sou o mau da fita
sou o filho enjeitado,
Sou a noite no teu dia
sou a obra do diabo.
Sou o assassino
que vagueia pela cidade,
Procurando vítimas
e ganhando publicidade.
Sou esse animal
que destrói o teu sossego,
O monstro das sete cabeças
que aperta o cerco.
Sou o inimigo
que expia o teu azar,
O prisioneiro da história
mais fácil de acusar.
Sou, sou, um mau rapaz
Sou, sou, um mau rapaz.
Sou, sou, um mau rapaz
a tua melhor prenda de Natal,
Sou, sou, um mau rapaz
Sou, sou, o mau da fita
Sou ooh, sou ooh, o mau da fita.
10. A NOITE INTEIRA
E eu ficaria aqui - a noite inteira
Por ti, por mim, aqui - a noite inteira
Valia a pena, aqui - a noite inteira
Canta comigo, aqui - a noite inteira
Inteira, inteira.
11. SONHOS NA ESTRADA DE SINTRA
Poisa o teu braço no meu
ajuda-me a seguir,
Ao virar esta esquina
há um paraíso por descobrir.
Não quero que assistas a esta lenta bebedeira
porto-me como uma criança faminta,
Vem embriagar-te comigo à beira
ah, de um barco, copo de absinto.
Mas dança, dança, dança p'ra mim
Dança, dança p'ra mim
À noite, esta noite.
Chegou o momento de parar a farsa
estou farto de conduzir esse animal,
Sincero - dizem - no uso da palavra
fotografia - página - jornal.
E se este for o teu sonho
a brisa do tempo mais secreto,
O sonho rasga as entranhas
e os chacais já andam muito perto.
Mas dança, dança, dança p'ra mim
Dança, dança p'ra mim
À noite, esta noite.
O assassino ergueu-se das trevas do sucesso
e conduziu um carro azul por entre círculos de mulheres,
E esse assassino eras tu
roçando o imenso - quente - prazer de provocar,
Esse assassino eras tu
mulher, mulher, mulher do meu encanto.
Quero o meu nome ou o teu nome
Quero o meu nome ou o teu nome.
"É bom ouvir as vossas palmas, é bom saber que
estamos juntos na celebração. Este é o palco do concerto,
começa aqui e vai por aí a cima. Haverá gente neste país,
provavelmente haverá gente neste país, que não sabe
por que se diz do Porto: Cidade Invicta.
Porque apenas nunca se deixou conquistar,
porque não se deixou ultrapassar e frequentes vezes
é uma reserva da nação. Digo isto, com a consciência
de muito cedo, muito cedo mesmo, termos saído
de lá de baixo da nossa cidade, da capital deste império
da palavra, e termos vindo para o norte.
Nós passamos a maior parte do nosso tempo
de espectáculos, hà muito tempo, no norte do país.
Posso dizer que conheço muito bem o Porto, até o Porto
escondido, aquele Porto, onde às quatro da manhã, havia
sopa, feijão, bifanas e imperiais. Há muitos anos."
"E sendo esta uma noite de celebração,
estando eu na invicta, sabendo que a família do norte
está connosco, só vos posso dizer que isto é ilha portuguesa.
Hoje, aqui, na Casa da Música, somos uma ilha lusitana.
Preferi ir lá para trás, para os indomaveis lusitanos a
não serem dominados pela traição.
E a propósito de traição, é bom dizer que cabe a cada
português, a cada um de vocês, o dever de fazer algo
por este país, pela pátria portuguesa, a pátria de Fernando
Pessoa, a língua portuguesa - nós Portugal!
Nada tenho para vos ensinar, a não ser, sejam vocês,
à maneira do norte. Nunca antes, que eu me lembre,
Portugal precisou tanto dos seus, e os seus, dele, Portugal,
somos nós. Portugal somos nós."
"Não há mais nada, não há auto estradas,
não há edifícios, não há história sem portugueses
em todas as épocas e esta é a nossa época.
Levo eu daqui a ideia de que nós, UHF, vamos continuar
a levar uma mensagem a todo o lado.
E a mensagem chama-se: Portugal somos nós!
A mensagem chama-se: Eu não desisto!
Pelo meu país, por esta pátria - Eu não desisto!
E sei que conto convosco, por vocês contam todos,
mas todos, para um Portugal melhor. Viva Portugal!"
Mas dança, dança, dança p'ra mim
Dança, dança p'ra mim
À noite, esta noite.
12. RUA DO CARMO
Rua do Carmo, rua do Carmo
mulheres bonitas subindo o Chiado,
Mulheres alheias, presas às montras
alguns aleijados em hora de ponta.
Olha como é a rua do Carmo
Olha como é a rua do Carmo.
Jornais que saem do Bairro Alto
putos estendidos, travando o passo,
Onde o comércio cativa turistas
quem come com os olhos já enche a barriga.
Olha como é a rua do Carmo
Olha como é a rua do Carmo.
Soprando a vida passam estudantes
gingando as ancas, lábios ardentes,
Subindo com pressa abrindo passagem
chocamos de frente, seguimos viagem.
Olha como é a rua do Carmo
Olha como é a rua do Carmo.
13. CAVALOS DE CORRIDA
Agora, que a corrida estoirou
e os animais se lançam no esforço,
Agora, que todos eles aplaudem
a violência em jogo.
Agora, que eles picam os cavalos
violando todas as leis,
Agora, que eles passam ao assalto
e fazem-no por qualquer preço.
Agora, agora, tu és um cavalo de corrida.
Agora, que a vida passa num flash
e o paraíso é além,
Agora, que o filme deste massacre
é a rotina Zé Ninguém.
Agora, que perdeste o juízo
a jogar esta cartada,
Agora, que galopas já ferido
procurando abrir passagem.
Agora, agora, tu és um cavalo de corrida
Agora, agora, tu és um cavalo de corrida.
14. PODIA SER NATAL
Podia haver uma luz em cada mesa
e uma família em cada casa,
Jesus em dezembro, aqui na Terra
podia ser Natal e não ser farsa.
A história certa é Natal de porta aberta
A ceia servida é a vida do Criador.
Podia ser notícia, o fim da amargura
que divide os homens por trás dos canhões,
A fome e a miséria servem a loucura
que forja profetas e divide as nações.
A história certa é Natal de porta aberta
A ceia servida é a vida do Criador.
Podia ser verdade o tom e o discurso
desse velho actor falando aos fiéis,
Mas nada se passa na noite do mundo
máscaras de dor, pequenos papéis
A história certa é Natal de porta aberta
A ceia servida é a vida do Criador,
A história certa, Natal de porta aberta
Podia ser Natal...
1. RAPAZ CALEIDOSCÓPIO
Um intelectual de ar estafado
um homem de faces cavadas na noite,
Cruza o Bairro Alto no silêncio dos ténis claros
em passos largos de dança.
Ele é um duro como rock
fã da violência,
E olha a vida pelos óculos
gingando cadência,
Veste cabedal que é napa preta,
Heyahoh la la la.
Quando a fome aperta
ele toma o caminho da fábrica ou do estaleiro,
E na próxima fuga entra na pele do animal
que o torna agressivo, reputação ideal.
Ele é um duro como rock
fã da violência,
E olha a vida pelos óculos
gingando cadência,
Veste cabedal que é napa preta,
Heyahoh la la la.
2. ESTOU DE PASSAGEM
Dá-me abrigo por esta noite
dá-me abrigo por esta noite,
Procuro conforto no teu cobertor
a noite prepara jogos de amor,
Febre que sobe e acende a fogueira
entre as chamas vivas da fogueira.
Dói-me cá dentro ao certo não sei
dói-me cá dentro ao certo não sei,
Dói-me o inferno da minha arte
dói-me o silêncio da tua carne,
Feito sossego nas minhas mãos
é quente o silêncio das tuas mãos.
Dá-me um bilhete p'ro inferno.
São línguas de fogo que entram pelo corpo
são línguas de fogo que entram pelo corpo,
São noites de assombro e descoberta
em busca da vida estou de passagem,
Parto contigo na minha bagagem
parto sozinho p'ra longa viagem.
Dá-me um bilhete p'ro inferno.
3. JORGE MORREU
Ele andava por aí
como tu e eu andamos,
Queimando um cigarro
queimando os nervos.
Nevoeiro no cérebro
num bailado de fantasmas,
Entre o frio e o zelo
e a importância dos notáveis.
Jorge morreu, Jorge morreu.
Ele tinha a tua cara
ele tinha a minha cara,
Ele era ninguém
que a vida desafiava.
Jorge um dia passou
à frente da ventania,
Entoando o refrão
e uma velha melodia.
Jorge morreu, Jorge morreu.
Jorge, Jorge, onde estás? Onde estás?
Jorge, Jorge, onde estás? Onde estás?
Quem te matou?
Deixou a cidade
subiu à montanha,
Entrando na paisagem
onde um homem se amanha.
Jorge parou
os ponteiros da vida,
Mergulhando os olhos
no mar de água fria.
Jorge morreu, Jorge morreu.
4. UM TIPO SINCERO
A minha vida não teve
um destino certo,
Só a fome e a sede
de quem vence o deserto.
A minha vida faz-se
um dia de cada vez,
Sob a luz do sol que arde
água fresca p'ra beber.
Sou o exemplo do que digo
sou um tipo sincero,
Desenhei o meu caminho
sem grande mistério.
A minha vida não tem
um destino certo,
Só a força de quem
vive os dias sem medo.
A minha vida faz-se
de coisas tão simples,
A canção que agora nasce
o teu sorriso sublime.
Sou o exemplo do que digo
sou um tipo sincero,
Desenhei o meu caminho
sem grande mistério.
Não há sorte nem azar
por capricho dos deuses,
Escolhe o caminho a tomar
não hesites tantas vezes.
Sou o exemplo do que digo
sou um tipo sincero,
Desenhei o meu caminho
sem grande mistério.
5. A MORTE SAIU À RUA
A morte saiu à rua num dia assim
naquele lugar sem nome p'ra qualquer fim,
Uma gota rubra sobre a calçada cai
e um rio de sangue dum peito aberto sai.
O vento que dá nas canas do canavial
e a foice duma ceifeira de Portugal,
E o som da bigorna como um clarim do céu
vão dizendo em toda a parte, o pintor morreu.
Teu sangue, pintor, reclama outra morte igual
só olho por olho e dente por dente vale,
A lei assassina a morte que te matou
teu corpo pertence à terra que te abraçou.
Aqui te afirmamos dente por dente assim
que um dia rirá melhor quem rirá por fim,
Na curva da estrada há covas feitas no chão
e em todas florirão rosas duma nação.
A morte saiu à rua num dia assim
naquele lugar sem nome p'ra qualquer fim,
Uma gota rubra sobre a calçada cai
e um rio de sangue dum peito aberto sai.
Sai do peito, peito aberto, sangue sai, sai, sai
Sangue, sangue, sangue.
E o pintor morreu, e o pintor morreu,
Dizem, dizem, morreu.
O vento que dá nas canas do canavial.
6. VERNÁCULO (PARA UM HOMEM COMUM)
Estou cansado, pá, cansado e parado por dentro
sem vontade de escolher um rumo,
sem vontade de fugir, sem vontade de ficar.
Parei por dentro de mim, olho à volta e desconheço o sítio
as pessoas, a fala, os movimentos,
a tristeza perfilada por horários,
este odor miserável que nos envolve,
como se nada acontecesse e tudo corresse nos eixos.
Estou cansado destes filhos da puta que vejo passar,
idiotas convencidos que um dia um voto lançou pela tv,
e se acham a desempenhar uma tarefa magnífica.
Com requinte de filhos da puta, sabem justificar a corrupção
o deserto das ideias, os projectos avulso para coisa
nenhuma, a sua gentil reforma e as regalias.
Esses idiotas que se sentam frente-a-frente no ecrã
à hora do jantar para vomitar o escabeche
de um bolo de palavras sem sentido.
Filhos da puta, porque se eternizam,
se levam a sério e nos esmigalham o crânio
com as suas banalidades: "O sôtor, vai-me desculpar."
O que eu quero é mandá-los cagar para um campo
de refugiados qualquer, vê-los de Marlboro entre os dedos
a passear o esqueleto, entre os esqueletos,
naquela mistura de cheiros e cólicas que sufoca,
apenas e só - sufoca.
Estou cansado, cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente, com ferrete
Obediente, obediente.
Estou cansado de viver neste mesmo pequeno país
que devoram, escudados pelas desculpas
mais miseráveis. Este charco bafiento onde eles pastam.
Gordos que engordam, ricos que amealham sem parar,
idiotas que gritam, paneleiros que se agitam
de dedo no ar. Filhos da puta a dar a dar,
enquanto dá a teta da vaca do Estado.
Nada sabem de história, nada sabem porque nada lêem,
além da primeira página da Bola, o Notícias a correr
e o Expresso, porque sim! Nada sabem das ideias
do homem, da democracia, Atenas e Roma,
os Tribunos e as portas abertas, e a ética e o diálogo
que inventaram o governo do povo pelo povo.
Apenas guardam o circo e amansam as feras,
dão de comer à família até à diarreia,
aceitam a absolvição, e lavam as manipulas
na água benta da convivência sã, desde que todos
se sustentem na sustentação do sistema.
Contratualizem (oh neologismo) o gado miúdo,
enfatizem o discurso da culpa alheia
pela esquizofrenia politicamente correcta:
Quando gritam, até parece que se levam a sério,
mas ao fundo, na sacristia de São Bento,
o guião escrito é seguido pelas sombras vigentes.
Estou cansado, cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente, com ferrete
Obediente, obediente.
Estou cansado de abrir a porta de casa e nada estoirar
como na televisão. Não era lá longe, era aqui mesmo,
barricadas, armas, pedradas, convulsão, nada,
não há nada. Os borregos, as ovelhas e os cabrões
seguem no carreiro como se nada lhes tocasse,
e não toca. A não ser quando o cinto aperta.
Mas em vez da guerra, fazem contas para manter a fachada:
Ah, carneirada! Vossos mandantes conhecem-vos
pela coragem e pela devoção na gritaria do futebol
a três cores, pelas falas de quem voa baixinho
e assume discursos inflamados sem tutano.
Estou cansado, cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente, com ferrete
Obediente, obediente.
Estou cansado, pá, sem arte, sem génio, cansado:
Aqui presente está a ementa e o somatório erróneo
do desempenho de uma nação, um abismo prometido
camuflado por discursos panfletários:
Morte aos velhos! Morte aos fracos!
Morte a quem exija decência na causa pública!
Morte a quem lhes chama filhos da puta!
E essa mãe já morreu de sífilis à porta de um hospital.
Mataram os sonhos, prenderam o luxo das ideias livres,
empanturraram a juventude de teclados para a felicidade
e as famílias de consumo & consumo,
até ao prometido AVC, que resolve todas as prestações:
Quem casa com um banco vive divinamente feliz,
e tem assistência no divórcio a uma taxa moderada
pela putibor. Estou cansado, pá,
da surdez e da surdina, desta alegria por porra nenhuma,
medida pelo sorriso de vitória do idiota do lado
quando te entala na fila e passa à frente.
É a glória única de muita gente, uma vida inteira...
Uh uh ah ah, eleitos, cuidem da oratória...
7. QUEBRA-ME
Ninguém quer a verdade, que ela estremece
o mais belo sorriso no momento exacto,
Golpes de mão, hábeis sem ruído
cidadãos vorazes sem preço fixo,
Não sou daqui, desta nacionalidade
sou do mundo e procuro ver a claridade.
Quebra-me! Quebra-me!
Daqui não quero mais do que a fome e a justiça
o resto são serviços e serão cumpridos,
Vamos vivendo uma vida apressada
palavras sem fundo e linhas trocadas,
Quebra-me querida o cinismo envolvente
quebra-me o feitiço, o acto é decente.
Quebra-me! Quebra-me!
Quebra-me! Quebra-me!
8. LILY CASOU À PRESSA
Lily casou à pressa
teve boda e karaoke,
Copo d'água em beleza
e dinheiro num envelope.
Mário tinha uma paixão
no tunning um amor,
Lily no coração
tatuada com ardor.
Lily casou à pressa
Lily queria uma festa.
Lily chegou a casa
mais cedo que o previsto,
Vinha farta e cansada
carente de carinho.
Do quarto do casal
uma mulher espreitava,
Se a história era banal
a vida era malvada.
Lily fugiu à pressa
Lily perdeu a cabeça.
Lily casou à pressa
foi branco o enxoval,
Uma festa singela
numa aldeia de Portugal.
Se Lily casou à pressa
veloz se separou,
Fugiu da sua terra
e da vida que um dia sonhou.
Lily casou à pressa
Lily teve uma festa.
9. GERALDINE
Dona de passagem na avenida
mulher de corpo de marfim,
Sopras o fumo na minha cara
e nem sequer me vês à passagem.
Geraldine foi violada
no quarto da mãe,
E agora passeia estoirada
no ritmo que a vida tem.
Sem descanso nem horário
Geraldine tem de cumprir,
P'ra sacar o ganho
que o chulo vai consumir.
Quando a dança aquece
e as ofertas correm na praça,
Geraldine arrisca a vida
ensaiando a farsa.
"Há uma guerra diferente que podemos travar:
O amor contra o medo. O amor vai ganhar.
Quando a luz se apagar esta noite, meu amor,
fica a Lua a olhar velando pelos dois.
Gritar, minha querida, meu amor, e não tenho a quem,
soltar-me da dor maior que na vida encontrei,
mostrar, por fim, quem sou sem fingir outra coisa.
Um homem que usou ao longo desta prova."
10. SINAIS (PRESENTES DO TEMPO)
Se a porta está fechada
mete a porta dentro,
Se a coruja não diz nada
o falcão está atento.
São sinais do tempo
presentes a espreitar,
Sinais do silêncio
para nos guiar.
Se o rebanho está feliz
os lobos vão à caça,
Avestruz ou perdiz
sem penas tudo marcha.
São sinais do tempo
presentes a espreitar,
Sinais do silêncio
para nos guiar.
Mete a língua de fora
mostra os dentes e ri,
Se o mundo não aprova
corre com ele daqui.
São sinais do tempo
presentes a espreitar,
Sinais do silêncio
para nos guiar.
Se a porta está fechada
sai do lado de fora,
Tanta raiva amordaçada
e tanto ruído de sobra.
São sinais do tempo
presentes a espreitar,
Sinais do silêncio
para nos guiar, para nos guiar.
11. MATAS-ME COM O TEU OLHAR
Noites frias de marfim
noites frias ao luar,
A conversa já no fim
matas-me com o teu olhar.
Matas-me com o teu olhar
Matas-me com o teu olhar.
Sabes que esta vida corre
como a sombra pelo chão,
Nada fica, tudo foge
ouve a voz do coração.
Matas-me com o teu olhar
Matas-me com o teu olhar,
São como cubos de gelo
que eu sinto ao tocar,
As palavras têm medo
matas-me com o teu olhar.
Matas-me com o teu olhar
Matas-me com o teu olhar,
Com o teu olhar.
12. FOI NO PORTO
Meia tarde na Boavista
tu passavas sozinha,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
Um acaso não olhaste
sem fugir escapaste,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
Cabelo solto, magra figura
que é feito dessa miúda,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva.
E o tempo tão depressa
é a história que me resta,
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva
Foi no Porto, dia de outono, dia de chuva,
Foi no Porto, Porto, dia de outono, na Casa da Música.
13. O VENTO MUDOU
Oiçam, oiçam,
O vento mudou
ela não voltou,
As aves partiram
as folhas caíram.
Ela quis viver
e o mundo correr,
Prometeu voltar
se o vento mudar.
E o vento mudou
e ela não voltou,
Sei que ela mentiu
p'ra sempre fugiu.
Vento por favor
traz-me o seu amor,
Vê que eu vou morrer
sem não mais a ter.
Nuvens tenham dó
que eu estou tão só,
Batam-lhe à janela
chorem sobre ela.
E as nuvens choraram
e quando voltaram,
Soube que mentira
p'ra sempre fugira.
Nuvens, por favor
cubram minha dor,
Já que eu vou morrer
sem não mais a ter.
Oiçam, oiçam, oiçam.
14. MENINA ESTÁS À JANELA
Menina estás à janela
com o teu cabelo à Lua,
Não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua.
Sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda dela,
Com o teu cabelo à Lua
menina estás à janela.
Estás à janela
com o teu cabelo à Lua,
Não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua.
Uma prenda tua
sem levar uma prenda dela,
Com o teu cabelo à Lua
menina estás à janela.
Cabelo à Lua menina, estás à janela.
DISC 2
1. A LÁGRIMA CAIU
Tu sabes bem
que o amor se perdeu,
Não o faças refém
foi meu e teu.
Foi o que foi
o que nós deixamos,
Inocentes os dois
culpados ficamos.
A lágrima caiu
sem tu saberes,
Por ti caiu
a última vez.
A flor da saudade
que nasce selvagem,
Daninha se espalha
por toda a paisagem.
Por todos os locais
em todos os cheiros,
Há histórias reais
de um cativeiro.
A lágrima caiu
sem tu saberes,
Por ti caiu
a última vez.
Um dia, talvez
possamos lembrar,
De novo, talvez
falar sem gritar.
A lágrima caiu
sem tu saberes,
Por ti caiu
a última vez.
2. VEJAM BEM
Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem se põe a pensar
quando um homem se põe a pensar.
Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar.
E se houver
uma praça de gente madura
e uma estátua,
e uma estátua de febre a arder.
Anda alguém
pela noite de breu à procura
e não há quem lhe queira valer
e não há quem lhe queira valer.
Vejam bem
daquele homem a fraca figura
desbravando os caminhos do pão
desbravando os caminhos do pão.
E se houver
uma praça de gente madura
ninguém vai levantá-lo do chão
ninguém vai levantá-lo do chão.
Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem,
quando um homem se põe a pensar.
Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar.
3. A TIA DORINDA
A tia Dorinda
é tia roupão,
Já foi a mais linda
nas danças de salão.
A tia Dorinda
a tia roupão,
Vive de torradas
e muita televisão.
A tia Dorinda
de um loiro eterno,
Ainda salta à vista
armada de mistério.
A tia Dorinda
tem um afilhado,
Veio da província
rapaz muito calado.
A tia Dorinda
tem homem em casa,
Diz a má língua
de faca afiada.
A tia Dorinda
de um loiro eterno,
Ainda salta à vista
armada de mistério.
A tia Dorinda
tem a vida cheia,
Velhas intrigas
camadas de inveja.
A tia Dorinda
fatal e senhora,
Por trás das cortinas
num bairro de Lisboa.
A tia Dorinda
de um loiro eterno,
Ainda salta à vista
armada de mistério.
4. ÉBRIOS (PELA VIDA)
O blues na minha vida em calças de ganga vestidas
Esguias no traço, vagas no passo
Que as leva e traz no ruído do tráfego
Tanto faz, tanto faz...
Fim de tarde em café, com uma amiga em naufrágio
Sacrossanto, altar de espanto, pouco p'ra dizer
A não ser, beber-te os olhos, beber em tragos
No silêncio do quarto de hotel.
O blues marcando a vida quando o grito desafina
E as ideias explodem nas veias do poeta
Traçando o ritmo, forçando a rima
Traçando o ritmo, forçando a rima.
Às vezes prefiro despejar copos no meu silêncio macabro
Nas margens deserto
Por entre os dedos o medo, o medo...
Estou a ficar bêbado, sabes
Bêbado na ânsia felina da espera
Que abre as portas do prazer...
Quero-te! Quero-te!
Caí agora em mim e desci entre aplausos
Davam-me honras militares e o lugar no cadafalso.
Caí agora em mim e vou ser o maior
Quero ver-te de rastos a ganir mergulhando a meus pés
Quero-te! Quero-te!
Os meus olhos caem vermelhos sob o peso do dia
A música sabe a whisky
Quando o momento chegar
Quero ficar no pensamento da madrugada
Amanhã outro dia
Voltaremos cativos enquanto a promessa da vida
Resistir como esperança de sabor diferente
Tanto faz, tanto faz..
5. A MINHA GERAÇÃO
A minha geração
acreditou em promessas,
Engrossou a procissão
foi indo na conversa.
Aceitou o futuro
como se fosse presente,
A cenoura e o burro
qual dos dois vai à frente.
A minha geração
deu tudo por uma casa,
Mistério e padrão
de uma vida hipotecada.
Encheu-se de rotinas
começou pelo casamento,
Uma vida preenchida
sem nada por dentro.
A minha geração, a minha geração.
A minha geração
ainda fuma um charro,
Essa espécie de refrão
que acende o passado.
Transferiu para os filhos
os sonhos adiados,
Chamou-lhe destino
nos versos de um fado.
A minha geração, a minha geração.
Trocou a felicidade
por bens de consumo,
A jura e a vontade
de querer mudar o mundo.
Jogou à cabra cega
deixou-se apanhar,
A vida é uma arena
onde nos querem lixar.
A minha geração, a minha geração
A minha geração.
6. PERSONA NON GRATA
Desde os bancos da escola
na rua em que cresci,
Aprendi a desarmar
as armadilhas que vi.
Com ideias em chamas
e nuvens no olhar,
Fui cortando as amarras
conversando sem falar.
Rola, rola, persona non grata
Rola, rola, persona non grata.
Dei comigo homem feito
entre bonecos de palha,
Uns políticos suculentos
outros figuras mutiladas.
Ah, não me calem a voz
vou destruir a desgraça,
Que essa marca lusitana
francamente não me agrada.
Rola, rola, persona non grata
Rola, rola, persona non grata.
Farto da espera
e de aguentar,
Abram-me as portas
que eu vou entrar.
Rola, rola, persona non grata
Rola, rola, persona non grata,
Persona non grata, persona non grata.
7. TUDO SE MOVE À PROCURA
Indícios de traição
réstias de prazer,
Nem amigo ou irmão
um sujeito qualquer.
Que há-de vir aqui
sentar-se à minha mesa,
Beber do que eu pedi
manter uma conversa.
Foi-se o Sol, veio a Lua
Tudo se move à procura.
Como um filme parado
o Sol parte aos poucos,
A elegia do sagrado
ébrio brilho nos olhos.
Dia a dia rasgamos
folhas de calendário,
As horas, os anos
mas o tempo está parado.
Foi-se o Sol, veio a Lua
Tudo se move à procura.
8. DANÇA DE CANIBAIS
Tomo-te o gosto, no cheiro, no andar deslizante
por aí, a calhar, com apetite violência,
Passo a teu lado, saboreando, saboreando.
És a mulher de alguém, baloiçando as ancas como ninguém
quero deitar-te a mão antes que desapareças,
Baloiçando as ancas como ninguém
saboreando, saboreando.
O meu desejo é parar o mundo
no jogo tique da esperteza,
Falar sem luz no escuro
ganhando mais clareza.
O meu desejo é abrir os sonhos
seguirmos algum tempo juntos,
Juntos, ah ah... Saboreando, saboreando.
9. UM MAU RAPAZ
Sou o mau da fita
sou o filho enjeitado,
Sou a noite no teu dia
sou a obra do diabo.
Sou o assassino
que vagueia pela cidade,
Procurando vítimas
e ganhando publicidade.
Sou esse animal
que destrói o teu sossego,
O monstro das sete cabeças
que aperta o cerco.
Sou o inimigo
que expia o teu azar,
O prisioneiro da história
mais fácil de acusar.
Sou, sou, um mau rapaz
Sou, sou, um mau rapaz.
Sou, sou, um mau rapaz
a tua melhor prenda de Natal,
Sou, sou, um mau rapaz
Sou, sou, o mau da fita
Sou ooh, sou ooh, o mau da fita.
10. A NOITE INTEIRA
E eu ficaria aqui - a noite inteira
Por ti, por mim, aqui - a noite inteira
Valia a pena, aqui - a noite inteira
Canta comigo, aqui - a noite inteira
Inteira, inteira.
11. SONHOS NA ESTRADA DE SINTRA
Poisa o teu braço no meu
ajuda-me a seguir,
Ao virar esta esquina
há um paraíso por descobrir.
Não quero que assistas a esta lenta bebedeira
porto-me como uma criança faminta,
Vem embriagar-te comigo à beira
ah, de um barco, copo de absinto.
Mas dança, dança, dança p'ra mim
Dança, dança p'ra mim
À noite, esta noite.
Chegou o momento de parar a farsa
estou farto de conduzir esse animal,
Sincero - dizem - no uso da palavra
fotografia - página - jornal.
E se este for o teu sonho
a brisa do tempo mais secreto,
O sonho rasga as entranhas
e os chacais já andam muito perto.
Mas dança, dança, dança p'ra mim
Dança, dança p'ra mim
À noite, esta noite.
O assassino ergueu-se das trevas do sucesso
e conduziu um carro azul por entre círculos de mulheres,
E esse assassino eras tu
roçando o imenso - quente - prazer de provocar,
Esse assassino eras tu
mulher, mulher, mulher do meu encanto.
Quero o meu nome ou o teu nome
Quero o meu nome ou o teu nome.
"É bom ouvir as vossas palmas, é bom saber que
estamos juntos na celebração. Este é o palco do concerto,
começa aqui e vai por aí a cima. Haverá gente neste país,
provavelmente haverá gente neste país, que não sabe
por que se diz do Porto: Cidade Invicta.
Porque apenas nunca se deixou conquistar,
porque não se deixou ultrapassar e frequentes vezes
é uma reserva da nação. Digo isto, com a consciência
de muito cedo, muito cedo mesmo, termos saído
de lá de baixo da nossa cidade, da capital deste império
da palavra, e termos vindo para o norte.
Nós passamos a maior parte do nosso tempo
de espectáculos, hà muito tempo, no norte do país.
Posso dizer que conheço muito bem o Porto, até o Porto
escondido, aquele Porto, onde às quatro da manhã, havia
sopa, feijão, bifanas e imperiais. Há muitos anos."
"E sendo esta uma noite de celebração,
estando eu na invicta, sabendo que a família do norte
está connosco, só vos posso dizer que isto é ilha portuguesa.
Hoje, aqui, na Casa da Música, somos uma ilha lusitana.
Preferi ir lá para trás, para os indomaveis lusitanos a
não serem dominados pela traição.
E a propósito de traição, é bom dizer que cabe a cada
português, a cada um de vocês, o dever de fazer algo
por este país, pela pátria portuguesa, a pátria de Fernando
Pessoa, a língua portuguesa - nós Portugal!
Nada tenho para vos ensinar, a não ser, sejam vocês,
à maneira do norte. Nunca antes, que eu me lembre,
Portugal precisou tanto dos seus, e os seus, dele, Portugal,
somos nós. Portugal somos nós."
"Não há mais nada, não há auto estradas,
não há edifícios, não há história sem portugueses
em todas as épocas e esta é a nossa época.
Levo eu daqui a ideia de que nós, UHF, vamos continuar
a levar uma mensagem a todo o lado.
E a mensagem chama-se: Portugal somos nós!
A mensagem chama-se: Eu não desisto!
Pelo meu país, por esta pátria - Eu não desisto!
E sei que conto convosco, por vocês contam todos,
mas todos, para um Portugal melhor. Viva Portugal!"
Mas dança, dança, dança p'ra mim
Dança, dança p'ra mim
À noite, esta noite.
12. RUA DO CARMO
Rua do Carmo, rua do Carmo
mulheres bonitas subindo o Chiado,
Mulheres alheias, presas às montras
alguns aleijados em hora de ponta.
Olha como é a rua do Carmo
Olha como é a rua do Carmo.
Jornais que saem do Bairro Alto
putos estendidos, travando o passo,
Onde o comércio cativa turistas
quem come com os olhos já enche a barriga.
Olha como é a rua do Carmo
Olha como é a rua do Carmo.
Soprando a vida passam estudantes
gingando as ancas, lábios ardentes,
Subindo com pressa abrindo passagem
chocamos de frente, seguimos viagem.
Olha como é a rua do Carmo
Olha como é a rua do Carmo.
13. CAVALOS DE CORRIDA
Agora, que a corrida estoirou
e os animais se lançam no esforço,
Agora, que todos eles aplaudem
a violência em jogo.
Agora, que eles picam os cavalos
violando todas as leis,
Agora, que eles passam ao assalto
e fazem-no por qualquer preço.
Agora, agora, tu és um cavalo de corrida.
Agora, que a vida passa num flash
e o paraíso é além,
Agora, que o filme deste massacre
é a rotina Zé Ninguém.
Agora, que perdeste o juízo
a jogar esta cartada,
Agora, que galopas já ferido
procurando abrir passagem.
Agora, agora, tu és um cavalo de corrida
Agora, agora, tu és um cavalo de corrida.
14. PODIA SER NATAL
Podia haver uma luz em cada mesa
e uma família em cada casa,
Jesus em dezembro, aqui na Terra
podia ser Natal e não ser farsa.
A história certa é Natal de porta aberta
A ceia servida é a vida do Criador.
Podia ser notícia, o fim da amargura
que divide os homens por trás dos canhões,
A fome e a miséria servem a loucura
que forja profetas e divide as nações.
A história certa é Natal de porta aberta
A ceia servida é a vida do Criador.
Podia ser verdade o tom e o discurso
desse velho actor falando aos fiéis,
Mas nada se passa na noite do mundo
máscaras de dor, pequenos papéis
A história certa é Natal de porta aberta
A ceia servida é a vida do Criador,
A história certa, Natal de porta aberta
Podia ser Natal...
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