UHF : Estou de Passagem

Las palabras

1. NOITES LISBOETAS

Começas num copo
Talvez de cerveja,
Sentado à mesa
Entrando na conversa.

Mulheres que chegam
Por entre gargalhadas,
Um brilho nos olhos
E um vazio na alma.

Noites lisboetas
De histórias acesas,
Os bares estão cheios
Segurando as presas.

Quartos alugados
Ilhas de pouca luz,
Dá-me noites sentinelas
E vómitos de verde cru.

Noites lisboetas
De porta em porta,
Noites lisboetas
Fantasmas à solta, à solta com rédeas.

Há um ser empoleirado
Nas pernas de um juiz,
Tentando escapar
Às misérias do país.

Amores num carro
Num parque deserto,
Tapando a boca
Dois gritos em seco.

Noites lisboetas
De porta em porta,
Noites lisboetas
Fantasmas à solta, à solta com rédeas.

O sorriso é cínico
Nas rugas do asceta,
Entre o whisky e o degelo
Rio azul em folha branca.

E o mundo refaz-se
E o álcool já sobe,
Trocam-se beijos
Nessa mesa de homens.

Noites lisboetas
De porta em porta,
Noites lisboetas
Fantasmas à solta, à solta com rédeas,
Lisboa, Lisboa, Lisboa.


2. CONCERTO

Dedos amarelos
Afinados em dó maior,
Cigarros de pontas breves
Espalhados no auditório.

Luz que entra pelas alturas
E conduz à histeria,
Olhos fixos à procura
Do profeta da rebeldia.

Soutien preso à pele
Entre os amigos gritando,
Corpo aberto à ternura
Da música deste concerto.

Bem bebidos de brilho nos olhos
Avançaram sedentos,
Exigindo matar a fome
Pelo preço de um bilhete.

Angústias ou ramos de flores - olá
Suando, sangrando, sei lá - olá
Oiço palmas, uivos, risos brancos sinceros - olá
No caudal que se vai - olá
E o rio está seco - olá
O concerto no fim - olá
Regressemos à sobrevivência...


3. NOTÍCIAS DE EL SALVADOR

Ruas pilhadas
Corpos sem vida,
Crianças fugindo
Na fotografia.

Não há noite nem dia
No clarão da guerra,
Não se vence a hipocrisia
Quando ela compensa.

Porque é que tu morres em El Salvador
Onde é que isso fica, El Salvador
É neste mundo ou noutro pior?

Caíram as palavras
Ficaram as ordens,
E os actos selvagens
Dominam os homens.

Celebrando promessas
Jogando xadrez,
Aliados e inimigos
Servem-se à vez.

Porque é que tu morres em El Salvador
Onde é que isso fica, El Salvador
É neste mundo ou noutro pior?

São Salvador, salva-te da dor
São Salvador, salva-te da dor.


4. ESTOU DE PASSAGEM

Dá-me abrigo por esta noite
Dá-me abrigo por esta noite,
Procuro conforto no teu cobertor
A noite prepara jogos de amor,
Febre que sobe e acende a fogueira
Entre as chamas vivas da fogueira.

Dói-me cá dentro ao certo não sei
Dói-me cá dentro ao certo não sei,
Dói-me o inferno da minha arte
Dói-me o silêncio da tua carne,
Feito sossego nas minhas mãos
É quente o silêncio das tuas mãos.

Dá-me um bilhete p'ro inferno.

São línguas de fogo que entram no corpo
São línguas de fogo que entram no corpo,
São noites de assombro e descoberta
Em busca da vida estou de passagem,
Parto contigo na minha bagagem
Parto sozinho p'ra longa viagem.

Dá-me um bilhete p'ro inferno.


5. ANTES QUE O DIA NASÇA

O álcool curtindo fantasmas
O corpo dormente ao longo das horas,
Aventuras no pensamento
Marcando a vida do homem.

Conversas perdidas ao telefone
Ruídos na penumbra da tv,
Um vaso florido à janela
A vida morde e já não sentes.

Dentro, fora, nuvens cinzentas
Dentro, fora, nuvens cinzentas.

São cinco lá fora e o Sol já se vê
Esperei por ti mulher ausente,
Entre livros abertos e palavras mortas
Bebe outra chávena de café quente.

Varri o lixo das horas passadas
Cantei poemas que a cinza levou,
Lá fora o ritmo a despertar
A máquina cega já acordou.

Dentro, fora, nuvens cinzentas
Dentro, fora, nuvens cinzentas.


6. SER UM ACTOR

Há gelo nos olhos quando regresso
Depois do concerto circuito fechado,
Com sonhos queimados no esquecimento
Com sonhos queimados no esquecimento.

Cinzas de luz, o sangue foi quente
Soltamos as rédeas, a música ardendo,
Com sonhos queimados no esquecimento
Com sonhos queimados no esquecimento.

Mas eu quero voltar, mas eu quero voltar.

O som do fracasso, o som da garganta
O truque do homem, no grito na dança,
Com sonhos queimados no esquecimento
Com sonhos queimados no esquecimento.

Velhas feridas sangram a memória
O poeta abre-as e o sangue jorra,
Com sonhos queimados no esquecimento
Com sonhos queimados no esquecimento.

Mas eu quero voltar, mas eu quero voltar.

Ser um actor, ser um actor, ser um actor,
Com sonhos queimados no esquecimento
Com sonhos queimados no esquecimento,
Mas eu quero voltar, mas eu quero voltar.

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